Reciclagem em Portugal: os números que (não) temos!

O Pacto Ecológico Europeu, reconhecido como o “European Green Deal” tem como objetivo, dentre outros, promover o crescimento económico com base na modernização que deverá concorrer para uma economia competitiva e eficiente naquilo que diz respeito à gestão de recursos. Contudo, na União Europeia, apenas 38% dos resíduos são reciclados e Portugal não tem melhor desempenho.

De acordo com o Relatório do Estado do Ambiente, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a reciclagem é definida como qualquer operação de valorização que utiliza materiais de resíduos, incluindo os provenientes do fluxo urbano, transformando-os em produtos para um determinado fim. No entanto, será que Portugal está a trilhar o caminho que lhe permitirá cumprir as metas estabelecidas?

Segundo informação veiculada pelo Público, o país tem progredido de forma positiva, na reciclagem de embalagens de cartão para líquidos de uso único. No primeiro trimestre de 2023, registou-se um aumento de 10% na recolha seletiva dessas embalagens em comparação com 2022. No entanto, devido ao aumento do número dessas embalagens no mercado, estratégias adicionais são necessárias para expandir a reciclagem e alcançar os objetivos da economia circular.

É importante ressaltar que a percentagem de reciclagem teve uma redução de 9% nos últimos três anos, enquanto a meta estabelecida até 2025 é aumentar em, no mínimo, 55% (em peso) a preparação para a reutilização e reciclagem de resíduos urbanos, conforme relatado no Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030).

Apesar de nos últimos anos se observar uma diminuição da taxa de reciclagem, de acordo com a TSF, no primeiro trimestre de 2023, houve um aumento na reciclagem, em torno de 3%, por parte dos portugueses em relação ao mesmo período do ano anterior. Contudo, ao mesmo tempo, registou-se uma diminuição na reciclagem de vidro, em parte devido à falta de um sistema de depósito com retorno, algo que deveria estar em funcionamento há pelo menos um ano, adianta a mesma fonte.

Segundo a APA, em informação veiculada no Relatório Anual de Resíduos Urbanos (RARU), a taxa de preparação para reutilização e reciclagem, em 2021, atingida em Portugal foi de 33%, com desempenhos distintos para os vários Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (Figura 1), dados que indicam que Portugal está abaixo da média da União Europeia.

Figura 1. Resultados apurados por SGRU para o ano de 2021, relativos à preparação para a reutilização e reciclagem (%) (Fonte: RARU 2022).

Por outro lado, a associação ambientalista Zero relata que a taxa de reciclagem é de apenas 21%. E ainda, de acordo com o jornal Sapo, apenas 13% dos resíduos recicláveis em Portugal são realmente reciclados, o que torna difícil alcançar as metas estabelecidas para 2023. Estas discrepâncias nos dados ocorrem porque os valores apresentados podem referir-se a dados distintos, como os 14% relativos à reciclagem como destino final dos resíduos, a taxa de preparação para reutilização e reciclagem (33%) já mencionados e a recolha seletiva que se cifra nos 21% (Figura 2), situação que tende a confundir a população, dificultando a interpretação dos dados.

Figura 2. Resíduos Urbanos por origem (%), em 2021 (Fonte: RARU 2022).

Quando os dados são apresentados pelos meios de comunicação social, tende a aludir-se, de forma generalizada, à “reciclagem”, não se fazendo a distinção e explicitação a que dados se referem, de facto.

Veja-se o exemplo do Expresso, que refere que 43% dos resíduos reciclados em Portugal são provenientes do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens, valor validado pela APA. Esse valor é baseado nas embalagens plásticas que são recicladas. No entanto, o problema reside no encaminhamento incorreto de embalagens de diferentes materiais, resultando na sua deposição final em aterro ou valorização energética. Além disso, a mesma fonte menciona que a percentagem de resíduos enviados para aterros é de 64%, enquanto o Relatório Anual Resíduos Urbanos 2021 refere 56%, mais uma vez mostrando uma diferença significativa nos valores percentuais apresentados.

Pontos positivos sobre o trabalho de Portugal são mencionados no jornal Público onde o contributo do país na reciclagem de embalagens é positivo, apesar de ainda estar abaixo da média europeia. Em 2021, dos cerca de 511 quilos de resíduos produzidos em média por cada português, 31% foram encaminhados diretamente para aterro, um valor que tem diminuído ao longo do tempo, mas que não pode ser visto isoladamente porque, na verdade 56% do volume total de resíduos tiveram como destino final o aterro sanitário (Figura 3).

Figura 3. Evolução dos destinos finais dos RU produzidos, em Portugal Continental, entre 2019 e 2021 (%) (Fonte: RARU 2022).

Nesse mesmo ano registou-se um aumento de aproximadamente 8,2% na reciclagem de embalagens, de acordo com o relatório da Novo Verde, uma das entidades gestoras de resíduos de embalagens. Apesar desse avanço positivo, reconhece-se haver ainda margem para melhorar os números apresentados. A aposta deve residir no princípio dos 3R’s: reduzir, reutilizar e reciclar. Algumas ideias de melhoria incluem sensibilizar os consumidores, o governo e a indústria sobre a importância da reciclagem, melhorar a infraestrutura de recolha, triagem e reciclagem, assim como promover o design de produtos sustentáveis.

Existem, contudo, esforços concertados entre diversas entidades, que já têm vindo a ser feitos para lidar com essa questão, como é o caso do Politécnico de Lisboa (IPL) e a Valorsul. Decorrente de uma parceria, foi garantida a distribuição de mais de uma centena de Ecobags XL do sistema trifluxo, por todas as unidades orgânicas do IPL, com o objetivo de incentivar a separação seletiva de resíduos e facilitar o transporte aos respetivos ecopontos (Figura 4).

Figura 4. Ecobags XL cedidos pela Valorsul (Fonte: Politécnico de Lisboa).

Apesar dos esforços, reconhece-se ainda haver muitas estratégias a serem implementadas e desafios a serem enfrentados no futuro, para que Portugal alcance seus objetivos. A redução da produção de resíduos per capita é crucial para isso. Portugal pretende reduzir esses valores em cerca de 5% até 2025 e 15% até 2030, em relação aos valores de 2019, que são de 513 kg por habitante por ano.

É urgente que Portugal aumente os seus índices de reciclagem e valorização por meio da implementação de estratégias alinhados com as metas estabelecidas, além de promover mudanças de atitudes e comportamentos da população em relação à reciclagem. É ainda necessário garantir um maior investimento, melhor legislação e políticas governamentais claras, para alcançar os valores desejados, alinhados com as metas europeias.

Ana Neto, Diogo Pontes, Filipa Batista