Possível ameaça de planta invasora na Serra da Tronqueira

A possível ameaça da propagação da planta invasora Cryptomeria japonica no reduzido habitat natural do Priôlo Açoriano (Pyrrhula murina) na Serra da Tronqueira, ilha de São Miguel. No âmbito de um projeto realizado no segundo ano do curso Biological Sciences da Universidade de Plymouth, Reino Unido, foi avaliada a ameaça que a introdução de espécies invasivas de plantas como a Cryptomeria japonica tem demonstrado na sobrevivência do priôlo Açoriano, Pyrrhula murina. Estas espécies competem por recursos e espaço com a vegetação endémica e nativa especialmente da ilha de São Miguel que proporciona habitat a esta ave única no mundo e atualmente em risco de extinção. Desde que foi colonizada em 1439 várias espécies foram sendo gradualmente introduzidas na ilha pelo Homem, como reconhecimento de riqueza e por questões de estética e beleza da região na época Romântica. Algumas foram ainda plantadas para fins de cultivo.

Atualmente, existem cerca de 1500 indivíduos numa zona muito limitada que se estende da Serra da Tronqueira ao vale das Furnas. Esta Serra, localizada na costa Este, possui uma floresta de Laurissilva, considerada património da Humanidade pela UNESCO em 1999, que contém diversas espécies endémicas e é o habitat do Priôlo. É composta maioritariamente por árvores da família das Lauráceas e para além dos Açores está presente na Madeira, Canárias e Cabo Verde. A redução da sua população neste último século deveu-se não só à perda de habitat mas também à perseguição de que foi alvo no século XX.

Em 1995 foi desenvolvido um programa de revitalização chamado “LIFE” que tem como objetivo o aumento da população do priôlo Açoriano, a manutenção e proteção da floresta da Laurissilva e o abate de árvores Cryptomeria que se encontrem a perturbar o habitat desta espécie ímpar na Terra.

Foi realizado um estudo que analisou a influência que o crescimento e propagação da espécie Cryptomeria japonica tem na diversidade de espécies da flora nativa da Serra da Tronqueira. As florestas desta árvore endémica do Japão são muito densas e não fornecem alimento ao priôlo. O estudo foi realizado na primeira semana de Setembro de 2017 e durante esta época, a principal fonte de alimento desta ave é a espécie endémica da ilha de São Miguel Leontodon rigens , pertencente à família Asteraceae e que tem como habitat as colinas da Serra da Tronqueira.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Localização

O presente estudo foi realizado no Pico da Vara na serra da Tronqueira da ilha de São Miguel nos Açores. 10 parcelas foram analisadas num declive de orientação oeste com as seguintes coordenadas (37° 48’ 16’’ N 25° 10’ 12’’W) a 560 m de altitude no Início de Setembro. (Fig.1)

Fig.1 Localização da área de estudo no Pico da Vara, Serra da Tronqueira

Método

Para cada parcela, foi utilizado cordel para criar um quadrado de 10x10m com um eixo diagonal de 14,1 m, medidos previamente ao trabalho de campo. O canto superior de cada parcela foi escolhido com base num mapa da região e o eixo diagonal foi posteriormente posicionado verticalmente ao longo da descida do declive. Por fim, os lados de 10m foram posicionados de forma a formar um quadrado.

Recolha de dados

Árvores e arbustos foram identificados e medidos em cada parcela. A sua percentagem de área de distribuição foi registada com uma estimativa visual, utilizando o método da sobreposição que resultou nos resultados excederem os 100%. O índice de biodiversidade Shannon foi calculado para cada parcela.

Análise estatística

O coeficiente de correlação Pearson foi utilizado para avaliar a relação entre a altura média e máxima das diferentes espécies da flora e a sua diversidade.

 

RESULTADOS

A altura máxima das árvores Cryptomeria japonica apresentou uma ligeira correlação negativa  com o valor da diversidade das espécies nativas e endémicas identificadas (r=-0.11), não sendo estatisticamente significante (p=0.76). A árvore mais alta estava localizada na parcela 8, sendo que correspondia a um índice de biodiversidade de 1.65, enquanto que a árvore mais se encontrava na parcela 9 com um valor de biodiversidade de 1.63. A parcela 6 não continha nenhum indivíduo da espécie Cryptomeria e apresentava um índice de biodiversidade de 2.03, o segundo maior valor de todas as parcelas. O valor mais elevado foi registado na parcela 2 que continha árvores Cryptomeria com uma altura máxima de 300 cm

A altura média das árvores Cryptomeria japonica apresentava uma ligeira correlação positiva  com o valor da diversidade das espécies nativas e endémicas identificadas (r=0.08). Excluindo o valor de 0 (Anexo I), esta relação aumenta ligeiramente. As parcelas com os valores mais elevados 2 e 6 (2.03 e 2.02 respetivamente) apresentaram valores de altura média quase idênticos e próximos da média final de 135cm. A parcela 10 continha a maior média alturas 201.43cm e um índice de biodiversidade de 1,65. Embora uma pequena correlação estivesse presente entre, esta não era estatisticamente significante (p=0.83)

 

DISCUSSÃO

O facto de as correlações encontradas entre a altura máxima e média das árvores Cryptomeria japonica e o valor da diversidade das espécies nativas e endémicas identificadas em cada parcela não serem estatisticamente significantes pode ser explicado por uma variedade de hipóteses na sucessão de espécies invasoras. Espécies que não são relativamente próximas com a flora endémica dos Açores já foram identificadas como tendo uma relação forte com invasoras. (Schaefer et al, 2011). A Cryptomeria japonica é no entanto, próxima geneticamente com pelo menos uma espécie endémica Junipecus brevifolia, também da família Capressaceae. Tanto a distribuição como a altura média podem ser explicadas pela falta de características benéficas conhecidas para as espécies invasoras. C. japonica não apresenta grande plasticidade no seu crescimentos e depende de outros indíviduos da população para proteção devido ao seu fraco sistema de raízes. A sua capacidade de fecundação é também fraca no entanto, apresentou uma grande distribuição nas parcelas analisadas, como apresentado pelos dados recolhidos na tabela do anexo I. Estas características são apoiadas pela hipótese da evolução da habilidade competitiva (Blossey e Notzold, 1995) que assinala que um menor investimento energético em mecanismos de defesa e maior em crescimento indica uma maior probabilidade da existência de espécies invasoras .

A ligeira correlação existente entre a distribuição da c. japonica e da diversidade de espécies nativas e endémicas parece refutar esta hipótese, sendo que a cobertura em % desta espécie é ligeiramente relacionada positivamente com o índice de biodiversidade. Este facto pode ser explicado pelos valores registados serem em média de 8.1% em todas as parcelas, indicando que esta árvore não era predominante em relação a outras espécies, não causando uma diminuição deste índice. Vários fatores são precisos de ter em conta na avaliação deste valor de biodiversidade como a sombra que estas árvores criam sobre espécies mais pequenas e que podem deste modo influenciar o seu crescimento.

Embora não tenha sido registada nenhuma correlação estatisticamente significante entre o crescimento de cryptomeria japonica e o índice de biodiversidade de espécies endémicas e nativas dos Açores, a continua existência desta potencial ameaça para o priôlo Açoriano justifica a continuação do programa LIFE de reestruturação e manutenção da floresta de Laurissilva e habitat desta espécie única no mundo e tão presente na história e no quotidiano da ilha de São Miguel.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Blossey, B., Notzold, R. (1995) “Evolution of increased competitive ability in Invasive Non indigenous plants: Hypothesis” The Journal of Ecology 83(5) pp.887

 

Schaefer, H., Hardy, O., Silva, L., Barraclough, T. and Savolainen, V. (2011). Testing Darwin’s naturalization hypothesis in the Azores. Ecology Letters, 14(4), pp.389-396.

 

 

PARCELA Altura média Cryptomeria japonica (cm) Altura máxima Cryptomeria japonica (cm)  Cryptomeria japonica cobertura % Índice de biodiversidade
1 72 180 3 1.41
2 152.67 300 15 2.03
3 181.43 180 10 1.30
4 160.71 175 10 1.56
5 125.75 300 10 1.82
6 150.00 0 20 2.02
7 135.00 300 1 1.42
8 171.00 120 1 1.67
9 0.00 150 0 1.63
10 201.43 400 5 1.65
Média 135.00 212.5 8.1 1.65

 

Anexo I- Medições das alturas de Cryptomeria japonica e o índice de biodiversidade Shannon para cada parcela

 

Rita Lopes da Costa Marques Pinto