Pescadores da Costa da Caparica, conscientes das implicações da sua atividade, querem ser parte da solução

Apesar de hoje em dia existir uma maior consciencialização por parte das políticas públicas e dos pescadores em relação aos perigos da pesca excessiva, ainda existe um longo caminho a ser trilhado para recuperar os danos causados, tais como a destruição dos ecossistemas e a problemática de resíduos, aos quais os pescadores da Costa da Caparica não são indiferentes.

Portugal é um país rico em estuários com uma forte tradição piscatória que apresenta elevadas taxas de consumo de peixe. Prova disso é que de acordo com um estudo feito pelo Ministério da Agricultura e Pescas, Portugal está entre os países que mais consomem pescado da União Europeia. Estes dados vêm mostrar assim a elevada importância económica que esta atividade assume em terras lusas, contribuindo também para o sustento de inúmeras populações ribeirinhas espalhadas pelo litoral português. Todavia, numa altura em que o planeta se apresenta cada vez com menos recursos, tem-se vindo a virar os holofotes para as questões ambientes e de sustentabilidade e a pesca não é posta de parte.

À poluição proveniente da atividade piscatória vêm somar-se ainda os problemas da pesca excessiva. Contudo, o pescador João Paulo revela que “há quem não faça a sua parte”. O planeta grita por ajuda mas o ser humano tapa os ouvidos.

De acordo com a Science, estima-se que mais de 70% do Planeta Terra seja coberto pelos oceanos e que mais de 50% das espécies dependem deles para garantir a sobrevivência. Porém, a destruição e os impactos causados pela mão do Homem nos mares estão visíveis e refletem-se diretamente na vida de diversos ecossistemas (Figura 1).

Figura 1. Impactos causados pelo Homem nos Oceanos (fonte: Science)

Considerando um estudo realizado pela Universidade de Glasgow e publicado no Cell Press Current Biology, a pesca excessiva ou insustentável, que acontece quando a quantidade de peixe retirado dos oceanos é superior ao tempo que precisam para serem repostos pela natureza, representa um grave problema já que tem como consequência a extinção de espécies causando um desequilíbrio já que interrompe a cadeia alimentar.

A par disto, vem o próprio modo como se pesca. Uma das pescarias mais devastadoras é a pesca de arrasto, ilegal em algumas regiões já que o seu processo implica arrastar todo o fundo do mar, não somente peixes mas também mamíferos, crustáceos e moluscos causando a destruição em massa acabando com a vida marinha.

Figura 2. Pesca de arrasto (fonte: RTP).

Segundo a Organização das Nações Unidas mais de dois terços dos estoques pesqueiros mundiais estão totalmente explorados. A instituição aponta ainda que um terço da população de peixes corre o risco de desaparecer pela pesca excessiva. Neste sentido, visando um maior equilíbrio e sustentabilidade, os Ministros das Pescas da União Europeia decretaram uma diminuição das quotas (ou seja, a quantidade de peixe passível de ser pescada em Território Nacional), o que resultou por exemplo, numa redução de 8% de pescada em Portugal. Ainda assim ficou fora do limite de 18% proposto por Bruxelas.

Mário Santos, tem 78 anos e diz que está na praia aos mesmos 78 anos. Além de pescador da Costa da Caparica é também Presidente da Associação de Pesca e encara com alguma indignação esta diminuição das quotas já que considera que foi mal feito. “Cortam-nos a quota do que é essencial e aumentam o que não interessa. O carapau, por exemplo, atiramos ao mar porque não se vende e aumentam a quota do carapau.”

A Arte Xávega, da qual faz parte Mário, usa tradicionalmente o método de arrasto feito com o envolvimento da rede, que outrora era puxada por bois e hoje foram substituídos por tratores. O pescador revelou que num bom dia a sua Arte é capaz de arrastar para terra cerca de duas toneladas de peixe somente numa ida ao mar, admitindo também que por vezes não existe escoamento suficiente e o peixe acaba por ser desperdiçado.

Figura 3. Pescador confecionando rede da Arte Xávega (fotografia de Flávia Romão).

Existe ainda a problemática do plástico que é produzido, utilizado e descartado e raramente reciclado tonando-se lixo. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, cerca de 85% dos resíduos plásticos nos oceanos são provenientes das pescas, contabilizando 640 mil toneladas de material de pesca que são abandonadas anualmente no mar e matam aproximadamente 100 mil animais, entre eles baleias, golfinhos, focas, leões-marinhos e tartarugas. O plástico constitui um dos principais materiais utilizados pela industria piscatória por apresentar uma forte resistência, mas ao longo dos anos começa a desintegrar-se e a transformar-se em pequenas partículas que acabam por ser ingeridas pelos animais e posteriormente consumidas pelo Homem.

“Sem nenhum incoveniente uma rede pode ter um tempo de vida útil de doze a quinze  anos. Quando era puxado à mão durava mais, erámos mais carinhosos do que os tratores”, disse entre risos. “Depois disso fazemos o descarte em contentores normais sendo pedido apenas para estarem em sacos de plástico para não enrolarem no motor dos camiões do lixo.”, acrescentou o Presidente da Associação de Pescadores.

Os problemas da atividade piscatória é algo que tem vindo a merecer cada vez mais a atenção dos próprios pescadores que têm tentado contrariar a situação. João Paulo falou sobre a existência das redes de seda, que embora sejam de uso único já que rasgam com muita facilidade e não são tão resistentes, são feitas com materiais que podem ser recicladas. No entanto, “não há transporte, ninguém vai buscá-las e ficam lá paradas, sem uso”, contou o pescador João Paulo.

Redes de seda

Figura 4. Redes de seda (fotografia de Flávia Romão).

“Quem me dera a mim fazer a reciclagem. As redes de seda são as que menos duram, por ano gasto umas duzentas, se eventualmente as perdermos no mar elas não se deterioram” (Figura 4). Quando questionado sobre o lixo com que se cruza no mar, João Paulo aproveita para trazer à tona algo que o incomoda, apontando que só se avança se cada um fizer a sua parte. “A gente traz o lixo todo que apanhamos, o que nos custa é depois quando chegamos à terra não temos onde o pôr. Nós íamos apanhando plástico e fomos pondo na Doca Pesca mas ninguém retirava. Um dia o mar zangou-se, galgou a Doca Pesca e foi parar tudo dentro de água de novo. Reclamam tanto para trazermos e não fazem a parte deles.”, disse. Em tom de desabafo, continua “estamos a ficar cada vez mais sensibilizados e, por isso, trazemos o lixo todo mas eu não posso leva-lo comigo. Meto o peixe no contentor da minha carrinha, não posso meter o peixe misturado com o lixo, senão a ASAE manda-me parar e apreende-me o peixe”.

Com o intuito de melhorar a problemática dos resíduos em 2009 foi criado um regulamento (CE) n.º 1224/2009 que responsabiliza o produtor relativamente às artes de pesca que contêm plástico, os Estados-Membros devem monitorizar e avaliar, nos termos das obrigações de apresentação de relatórios.

Para acabar com a pesca exaustiva e com a problemática dos resíduos deve haver assim uma maior preocupação ambiental por parte das autoridades políticas, já que de acordo com os pescadores, estes sentem-se negligenciados pelo governo.

“Gostam de impor novas medidas ou regras e querem que sejam cumpridas mas não nos ajudam a chegar a essa mudança”, remata João Paulo.