Ouro Negro em Portugal: El Dorado ou a nossa destruição?

Sabendo da existência de uma Biciclada programada para o dia 26 de março, contra a prospeção de petróleo em Peniche, Jovens Repórteres para o Ambiente (JRA) da escola secundária de Caneças, com o apoio dos respetivos encarregados de educação, viajaram até Peniche para melhor compreender.

Embora as condições climatéricas tivessem forçado a organização a adiar a atividade, os JRA realizaram uma entrevista com Ricardo Vicente – leader do movimento Peniche livre de petróleo, cujas ideias principais incluímos nesta edição do nosso jornal (A reportagem na íntegra pode ser consultada  em http://ecocanecas.wixsite.com)

JRA: Como nasceu o movimento Peniche livre de petróleo?

“Nasceu de uma sessão de esclarecimento, em Peniche, em 27 de Julho de 2016. No final dessa sessão sugerimos … porque havia muita gente descontente … um trabalho de continuidade. Daí em diante temos vindo a marcar reuniões públicas, cujas convocatórias para clubes, cafés, etc –  podem encontrar na nossa página do Facebook.

E a coisa foi crescendo, já organizámos varias sessões de esclarecimento, já projetámos filmes, campanhas de sensibilização, lançámos uma petição que está, neste momento na Assembleia da República, subscrita por 6 mil pessoas, que propõe o cancelamento dos contratos na bacia de Peniche e em terra.

Juntámos algumas pessoas, algumas caras conhecidas, (. . . ). uma investigadora do movimento Futuro Limpo e um outro investigador do movimento Climáximo.

Já tivemos espaços de rádio com Rui Unas, ganhámos alguma dimensão mediática, e isto tem vindo a ganhar uma dinâmica própria.”

 

JRA: Que consequências para Peniche ou para a costa portuguesa se estas perfurações se realizarem?

“Os impactos serão graves. Alguns já aconteceram; Fazer um trabalho de prospeção implica uma campanha sísmica (. . . ) que é um trabalho longo, e isso já deu, embora ninguém saiba, bastantes prejuízos aos pescadores porque fez com que a populações de pescado se afastassem da terra e dos locais onde a campanha sísmica ocorre.  (…) Os pescadores nunca foram pagos e favorecidos por isso,

(. . . ) Em Portugal, neste momento temos contratos feitos em Deep Offshore. Em 2010, no golfo do México, em trabalhos em Deep offshore, com o conhecimento e tecnologias recentes, com uma empresa grande que é a BP, aconteceu o maior derrame da história mundial de produção de petróleo que destruiu toda a zona de pesca da orla do golfo do México e toda a economia relacionada com o turismo que dependia da preservação daqueles recursos.

Os impactos são muito grandes e os riscos muito elevados (. . . ), havendo um grande desastre, para toda a economia relacionada com  turismo,  pesca,  hotelaria,  restauração,  a própria agricultura.

E, se pensarmos nos recursos hídricos em terra, porque os contratos em terra prevêem a aplicação de tecnologia fracking, que permite obter óleo e gás de xisto e para obter esse óleo e gás de xisto é necessário injetar milhões de metros cúbicos de agua contaminada com químicos no subsolo. A água que é utilizada, deixa de estar disponível para usos domésticos, para a agricultura, e os solos e os lençóis freáticos ficam completamente contaminados. Os Estados Unidos transformaram-se no maior produtor de hidrocarbonetos a nível mundial, mas em populações próximas destas áreas de produção, há muita gente a sofrer de doenças crónicas relacionadas com esta atividade.

Vocês encontram na internet imagens de rios que conseguem pegar fogo à própria água, imagens de gente que encosta um isqueiro à água e pega fogo à própria água da torneira  e isso porque a água está contaminada com gás de xisto. A tecnologia fracking está contratualizada em Portugal.

(…)

O que dizem com frequência sobre este assunto? Vai ser bom para a economia?

O turismo, a agricultura, a pesca, a hotelaria são fatias gigantescas da nossa economia. Há uma grande quantidade de pessoas que vive disto. O nosso produto interno bruto, uma grande fatia é resultante destas atividades económicas, e elas estão postas em causa.

E, se do ponto de vista económico, a indústria petrolífera poderia ser uma vantagem, então ela tinha de, pelo menos, se equiparar a isto mas não tem comparação possível. Estamos a falar de menos de um centésimo do PIB nacional que a indústria petrolífera poderia representar, mais, o que estes contratos prevêem é uma entrega gratuita dos nossos recursos naturais porque, são rendas de 15 euros por km2. (. . . ) não há ninguém que pague uma renda destas pelo que quer que seja, (. . . )

Na Noruega, os mesmos contratos são de quase 4mil euros por km2, aqui são 15euros.

Depois (. . . ) os royalties –  uma percentagem sobre a totalidade das vendas que forem realizadas pela indústria petrolífera e aquilo com que o estado poderá ficar é, em todas as situações, um valor inferior a 9% na totalidade das vendas de petróleo. Na Noruega aproximam-se dos 80% !

E outro argumento : o petróleo vai criar emprego! É mentira. O que cria emprego é a produção de energias renováveis para autoconsumo.  (. . . ) A industria petrolífera tem equipas internacionais que, quando querem montar uma plataforma de produção, pegam nos seus experts que estão espalhados pelo mundo, , montam e vão embora. Portanto a quantidade de emprego que é criado também é residual. Logo aquilo que destrói é sempre muito mais do que aquilo que constrói.

E depois ainda há um outro problema: então e as alterações climáticas? Nós tivemos à pouco tempo um primeiro ministro que disse que tem como objetivo para Portugal que, em 2050, Portugal, seja um pais Carbono Neutro. A capacidade de reter carbono, por exemplo através das florestas com a captura de CO2 da atmosfera e a integração nos tecidos vegetais, é equivalente ao carbono emitido pelo pais e portanto isto dá saldo zero. Aquilo que nós retemos compensa o que emitimos. Isso é uma boa medida.

Portugal ratificou o acordo de Paris: 200 países limitem o aquecimento global a 2oC. Para que isso seja possível temos de garantir que a nível mundial, nas reservas de hidrocarbonetos, óleo e gás que conhecemos, 80% dessas reservas têm de ficar debaixo de terra (. . . ).

Um país que se compromete com o combate ás alterações climáticas tem de colocar o investimento nas energias renováveis/ energias limpa.

Mais coisas contraditórias: Portugal é considerado um hotspot das alterações climáticas. Se subir 1o na temperatura média mundial em Portugal sobe muito mais do que um grau e, portanto, também por isso Portugal tem o interesse de ser um ponta de lança no combate e na adaptação ás alterações climáticas. Portanto não deveríamos estar a fazer isto.

Estes são o conjunto de fatores que nos fazem a nós, cidadãos, cientistas, movimentos sociais, organizações ambientalistas, juntar em torno desta ideia porque é necessário cancelar os contratos de prospeção e produção de petróleo e escolher um caminho alternativo pelas energias limpas no combate ás alterações climáticas, da adaptação, da democracia.

Portugal daqui a algum tempo, se conseguirmos travar estes contratos, vai poder dizer: nós somos um país onde a indústria petrolífera nunca esteve, temos um elevado valor patrimonial do ponto de vista biodiversidade, dos recursos naturais, que estão intocáveis… Essa industria não chegou cá, e vamos poder no futuro retirar muitas mais-valias dessa preservação e dessa imagem limpa que o país pode ter.

Em todos os pontos de vista é preferível seguir um caminho diferente.

Como tem evoluído a adesão da população, da comunicação social ou até mesmo das entidades oficiais ao vosso movimento…

no ponto de vista local sempre que fazemos uma sessão de esclarecimento. ganhamos gente nova que quer vir fazer coisas connosco e que quer continuar a dinamizar isto.

Mas, no ponto de vista das instituições locais, nós enviamos uma carta a todas as câmaras municipais que vão de Lisboa ao Porto nesta faixa litoral e nenhuma delas nos respondeu. Houve uma ou duas assembleias municipais que se posicionaram contra, que escreveram noções mas até agora posicionamentos claros ainda não existiu. (. . . )

(…)

D ponto de vista local, também, e a nível nacional, há gente que está comprometida com os contratos que aqui estão feitos e que compactuam com a implementação desta industria.

 

Aqui em Peniche, por exemplo, (. . . ) o presidente da câmara assumiu a responsabilidade de obter mais informação sobe o estado dos trabalhos atuais e disponibilizar-nos essa informação, levar esta discussão à assembleia municipal e à comunidade intermunicipal. Comprometeu-se com estas três coisas e não cumpriu com nenhuma delas. (. . . )

(…)

Nós queremos garantir que não há contratos de prospecção e produção de petróleo nem em Peniche nem noutros sítios do país, queremos manter o país sem essa indústria. (…) As câmaras municipais, aqui, ainda não foram suficientemente pressionadas pela população para se posicionarem. (. . . ) se o movimento social na região Oeste ganhar a mesma força que ganhou no Algarve, e que está a ganhar na costa Alentejana, se vocês procurarem há um movimento na costa Alentejana que se chama “Alentejo litoral pelo ambiente” e que até mesmo a câmara municipal de Sines que tem uma refinaria de petróleo posicionou-se contra a implementação desta indústria. Aqui, na faixa litoral Lisboa Porto ainda ninguém o fez.

(…)

Este ano é um ano de autárquicas, vão haver eleições a nível local e estes movimentos sociais estão a organizar-se para que durante as campanhas autárquicas as diversas candidaturas municipais do país se tenham de posicionar contra, ou a favor, da indústria petrolífera. E isso é um caminho que está a ser feito mas os sinais são positivos: estamos a ganhar força,

JRA: O que espera que vá acontecer em atividades futuras?

Temos um calendário desportivo de protesto com  atividades limpas para o ambiente  (últimos domingos de cada mês) , “primavera livre de petróleo”  – tudo formas de sensibilização e de protesto.

No dia 29 de Abril vai haver uma manifestação em Lisboa, uma marcha mundial pelo clima.

A petição na assembleia da república vai subir à discussão. Esperemos que o governo/e forças partidárias presentes tenham o bom senso de construir propostas concretas.

Nas Caldas da Rainha vamos fazer uma sessão de esclarecimento na ESAD, a 6-04-17.

Vamos  integrar uma campanha nacional que vai interpelar as candidaturas às diversas câmaras municipais onde existam contratos para que se reposicionem as diversas candidaturas em relação a este assunto.

O que ambicionamos é criar a maior aliança possível ;  criar uma ideia hegemónica que seja contra a prospeção e produção de petróleo.

 

Nota dos JRA: o Ministério do Ambiente foi inquirido sobre a posição do governo sobre este assunto, mas até ao momento da edição do jornal, a resposta obtida resume-se ao reencaminhamento do email para o ministério da economia

Ana Filipa, Beatriz Alves, Fábio Mota