Quarentena − tragédia ou oportunidade?

A 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia Covid-19 e muitos hábitos foram modificados. Obrigados a tomar uma série de medidas preventivas que modificam as nossas rotinas, reajustamos o nosso modo de vida. No novo dia a dia, temos agora de aprender a conviver com a ansiedade despontada pelo medo e pela incerteza do futuro. Como nos afeta, então, esta pandemia enquanto sociedade e enquanto seres humanos? Desistimos e reforçamos os erros cometidos ou reinventamo-nos?

Desde dezembro 2019, o mundo enfrenta uma crise de saúde global: a pandemia do coronavírus (COVID-19). No entanto, o COVID-19 é muito mais. Tornou-se o maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial, pois, também, tem o potencial de criar devastadoras crises sociais, económicas e políticas. Como a humanidade responde à ameaça e o que aprendemos dela definirá o nosso futuro, o nosso estilo de vida no planeta Terra.

Ao nível Social e da Saúde

Com o isolamento social, causado pelas medidas do estado de emergência, muitos dos especialistas nessa área acreditam que as famílias Portuguesas poderão enfrentar consequências negativas ao nível da saúde mental. Segundo a psicóloga Célia Rodrigues, “para alguns indivíduos, pode ser problemático, pois pode originar uma desorganização mental, causada pelo stress do isolamento social.”

As mulheres ocupando, na sua maioria, postos de trabalho no setor dos serviços e atividades consideradas não essenciais, encontram-se, assim, dentro dos grupos profundamente afetados pelas medidas de contenção.

“De facto”, referiu-nos a psicóloga Célia Rodrigues, “o género feminino enfrenta um maior nível de stress uma vez que inúmeras mulheres se vêem obrigadas a demonstrar produtividade em regime de teletrabalho, enquanto cuidam do/a(s) filho/a(s), ou apoiam atividades de homeschooling ou, ainda, gerem tarefas domésticas. Sem esquecer que existe uma tendência para um aumento das situações de violência doméstica, uma vez que as vítimas se encontram isoladas com os seus agressores, estando, assim, a sua segurança comprometida”.

A Covid-19 tem, também, preocupado as pessoas, principalmente as mais idosas, que agora, evitam os hospitais, dado o maior risco de contágio nestes locais. Contudo, isso tem causado algumas mortes e doenças agravadas que podiam ser curadas com a intervenção dos especialistas.

Por outro lado, numa luta contra um inimigo invisível e que cada vez mais sabemos que é de todos e por todos, mostramos o melhor de nós: as ações de solidariedade multiplicam-se. O festival #Euficoemcasa, que decorreu de 17 a 22 de março, uniu artistas, editoras e agências, num movimento cultural inédito em Portugal, apoiado pelos meios de comunicação e toda a comunidade digital. Com os mesmos objetivos, mas na área do humor, decorreu de 26 e 29 de março, o festival #RiremCasa, que contou com a performance de 50 humoristas nacionais. Também o mundo do desporto se quis associar ao combate contra esta pandemia. Cristiano Ronaldo, o empresário de futebol Jorge Mendes, o clube SL Benfica, entre outros, fizeram doações que permitiram a compra de materiais de extraordinária utilidade e relevância para o SNS, e o clube SL Benfica doou, ainda, cinco toneladas e meia de alimentos à Comunidade Vida e Paz, e Lisboa.

Ao nível das tecnologias e inovação

De forma a conter a expansão do vírus covid-19, temos testemunhado também, a nível tecnológico o controlo dos movimentos dos cidadãos. Já em uso em países como a China e a Coreia do Sul, este projeto é, contudo, considerado ilegal por muitos países enquanto controlo da privacidade e da liberdade individual dos indivíduos, dado que o Governo e outras entidades irão ter acesso a tudo aquilo que realizamos a partir dos nossos telemóveis.

Por outro lado, inovações tecnológicas como a impressão em 3D têm sido utilizadas para criação de viseiras e peças para ventiladores.

Tem havido, também, um maior contacto com as novas tecnologias por parte da população mais idosa. De acordo com uma assistente de saúde num lar em Caneças, Odivelas, “todos os idosos contactam com as visitas/ famílias através do telefone ou em alguns casos, por videochamada para evitar a solidão e o sentimento de abandono”.

Com esta situação estamos, também, a conhecer uma nova forma de aprender e trabalhar. Alguns especialistas indicam que esta nova pandemia mudará a visão do trabalho e levará, no futuro, a um aumento gradual do teletrabalho, “Muitas empresas que colocaram muitas pessoas em teletrabalho perceberam que, se calhar, agora, têm essa margem de oportunidade para o usar mais. O teletrabalho, nem que seja pela questão da mobilidade, pode ter uma série de ganhos, por exemplo, há estudos que dizem que uma pessoa no local de trabalho gasta mais papel e mais energia, porque não é ela que os paga. Em casa tem maiores cuidados” – diz o ambientalista Francisco Ferreira.

Segundo José Tribolet, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, o ensino “nunca mais vai ser igual”. O 25 de Abril do ensino está em curso”. A pandemia forçou a necessidade de aulas à distância, o que, na opinião do especialista, vai ter um “impacto transformador em todo o sistema de ensino, aprendizagem e formação profissional e de relações laborais”.

Ao nível económico

O mundo poderá vir a enfrentar uma crise económica pior que a de 2008. Com uma recessão e perda de empregos pior do que a registada na crise financeira de há 12 anos,  os países do Sul da Europa (Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Chipre) e Irlanda serão os mais afetados por possuírem uma dívida pública maior.

A Covid-19 ameaça as vidas de milhões de pessoas no mundo e ainda que, acima de tudo seja uma crise da saúde, a pandemia terá um inevitável impacto na economia, no comércio, nos empregos e no bem-estar. O economista Daniel Bessa considera que a atual situação económica, decorrente da pandemia, é pior do que uma “situação de guerra, quer em termos de paragem de produção, quer no que se refere à capacidade de recuperação”. Sabemos que estamos “numa descida inclinadíssima”.

Mesmo com as medidas temporárias que visam ajudar as empresas a suportar o impacto económico desta pandemia, as medidas do estado de emergência lesaram empresas, estabelecimentos comerciais e de serviços, e outras atividades económicas, seja pela paragem total da atividade, seja pela quebra abrupta e acentuada da faturação.

Um economista referiu-nos que “o setor bancário será o primeiro a ficar prejudicado, mas não só; na atual conjuntura, com uma crise económico-financeira profundíssima, penso que é absolutamente transversal.

Gráfico circular que contém a estatística de afetação dos inquiridos à pandemia.

Num inquérito que realizado online sobre a Covid 19, numa amostra de 182 sujeitos (52,7% entre os 14 e os 30 anos; 30,2% entre os 31 e 64; e 17% acima de 64), embora 55,5% dos inquiridos contradiga a previsão dos especialistas afirmando não terem sido afetados pela pandemia, mais de 20% dos inquiridos referem uma grande quebra nos seus rendimentos (despedimento ou diminuição de rendimentos).

Por outro lado há empresários a evidenciar sinais de empreendorismo notáveis, reinventando-se e adaptando as suas empresas, criando novas oportunidades de negócio e mantendo os postos de trabalho.

Ao nível ambiental

Associações ambientalistas têm vindo a manifestar preocupações com o despejo descuidado de máscaras e equipamentos de proteção, que tem criado um novo problema ambiental e de saúde pública: a disseminação de germes e infeções oriundas do ambiente hospitalar. Na cidade de Wuhan, no final de fevereiro, foram produzidas mais de 200 toneladas de lixo médico por dia, mais do quádruplo da média habitual.

Contudo, esta pandemia não tem trazido apenas más notícias para a crise ambiental.

Com uma diminuição da poluição e das emissões de gases com efeito de estufa, esta nova pandemia tem trazido boas notícias para a crise ambiental. Num espaço curto de apenas quinze dias, a paragem da produção industrial motivada pela quarentena imposta a várias regiões da China reduziu as emissões de gases poluentes naquele país em cerca de 25%. Segundo a Carbon Brief, um portal especializado em energia e clima, quebras acentuadas na produção e no consumo na China, levaram a que as centrais a carvão registassem uma quebra de consumo de 36% e que a aviação caísse 10%.

Em Lisboa, segundo os dados da Agência Europeia do Ambiente, os níveis médios de NO2, um poluente emitido especialmente pelos transportes rodoviários, caíram 40% de uma semana para a outra.

Em Veneza, com a cidade parada, os peixes e os golfinhos regressam às águas agora límpidas. Além disso, também em Itália, registou-se o mesmo fenómeno que na China: a poluição do ar e as emissões de gases com efeito de estufa reduziram drasticamente nos primeiros dois meses do ano.

O ambientalista Francisco Ferreira olha para este período como uma fonte de informação importante para o futuro. A queda das emissões, garante, “proporciona-nos informação importante em termos de gestão”. Vincent-Henri Peuch, do programa Copernicus, corrobora “as lições aprendidas com esta crise vão ser muito importantes para repensar o problema da poluição do ar”

Citando o economista português Manuel Alberto Maçães “o mundo parecerá muito diferente do outro lado do túnel em que acabamos de entrar.”

E a questão que se coloca é: no novo dia a dia, desistimos e reforçamos os erros cometidos ou reinventamo-nos transformando a tragédia em oportunidade, criando um mundo mais justo, mais solidário e ambientalmente mais sustentável.

 

Bibliografia

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Bruna Lopes, Diogo Ventura, Érica Gonçalves, Mariana Sousa , Milene Lopes