Novo vírus, novos resíduos: a mudança na saúde, na sociedade e na produção de resíduos

Em Portugal, com a situação pandémica da COVID-19, a necessidade de providenciar equipamentos de proteção individual foi imperativa para os setores da saúde e da segurança. Algumas empresas adaptaram os seus processos de fabrico focando-se essencialmente na produção de viseiras. A produção em grande escala deste tipo de materiais aumentou, por sua vez, os resíduos produzidos, obrigando à necessidade de encontrar soluções promotoras da reciclagem, reduzindo as eventuais consequências ambientais.

Atualmente, devido à situação pandémica que se vivência, várias são as empresas que alteraram os seus processos produtivos, com o intuito de ajudar na mitigação da transmissão do SARS-CoV-2 e da COVID-19. Estas empresas são de diversas áreas, tais como de produção de bebidas alcoólicas, de têxteis e até mesmo de artigos publicitários que, de forma a contribuírem para ultrapassar inúmeras dificuldades, começaram a produzir equipamentos de proteção, essencialmente máscaras e viseiras como medida de proteção individual, bem como o álcool em gel, tudo em quantidades significativas que permitissem, na medida do possível, a proteção de toda a população.

Imagem 1: barreira acrílica e viseira de tamanho adulto (fotografias de Mariana Neves)

A NG5, uma empresa de publicidade que se encontra no mercado desde 2002, produziu 15000 viseiras que foram distribuídas por todo o país, doadas a diversas entidades, nomeadamente hospitais, GNR, PSP, dentre outros. Num período pré-pandémico, o tipo de resíduo mais produzido era o papel e cartão. Atualmente, os resíduos gerados são o policarbonato (um termoplástico utilizado no fabrico de viseiras) e o acrílico (utilizado como barreira física entre os trabalhadores e clientes em estabelecimentos públicos).

Com a produção em grande escala destes novos produtos, surgem outras questões: (1) quais serão as consequências desta produção em massa para o nosso planeta?; (2) salvar a humanidade implica prejudicar o ambiente?; (3) que soluções existem para o adequado encaminhamento e reciclagem destes materiais?

À conversa com Jorge Neves, da NG5, responsável pelo corte gráfico, foi referido que os resíduos de policarbonato são recolhidos semanalmente e posteriormente encaminhados para França, onde são reciclados, contrariamente ao acrílico que é reutilizado em território nacional.

Ainda que a reciclagem do policarbonato seja realizada noutro país, o simples facto de esta ser possível já é uma mais valia para a utilização deste material, no entanto é importante referir que no decorrer do processo de reciclagem, o policarbonato pode sofrer alterações nas suas propriedades. De acordo com um estudo realizado em Espanha, publicado em 2010 no Journal of Materials Processing Technology (“Effect of reprocessing and accelerated ageing on thermal and mechanical polycarbonate properties”), sabe-se que a sua resistência mecânica é reduzida para cerca de 30% após 10 ciclos de reciclagem, o que leva à deformação e aumento da fluidez do material. Estas alterações podem ainda ocorrer na presença de temperaturas elevadas e de radiação UV, sendo assim essencial informar as pessoas que fazem uso destes materiais para a produção de equipamentos de proteção individual. De acordo com Ronkay e o seu trabalho “Effect of recycling on the rheological, mechanical and optical properties of polycarbonate” publicado na Acta Polytechnica Hungarica, o ideal será manter a composição em 80% de material virgem e 20% de material reciclado, evitando-se assim perdas significativas em termos de propriedades.

Contrariamente ao policarbonato, o acrílico é um material 100% reciclável, ou seja, durante o seu processo de reciclagem não sofre alterações significativas nas suas propriedades, o que permite a sua permanência no mercado circular. A reutilização deste material beneficia não só o ambiente como a economia das empresas que transformam este tipo de materiais descartados enquanto resíduos sólidos urbanos em novos produtos como expositores, caixas e muitos outros, sendo que estas empresas faturam largas dezenas de euros neste processo. No Brasil, por exemplo, e segundo a Globo, “as grandes empresas querem melhorar a imagem delas perante os consumidores, pelo meio ambiente, e elas exigem que seja acrílico reciclado”.

Existem também outras formas de reutilizar este material que foram num passado recente, objeto de concursos. Em 2019, e de acordo com notícias veiculadas pelo Jornal T, foi lançado à comunidade criativa um concurso criativo pelas empresas Fibernamics Green, Moldacril e Seamless, no qual o objetivo implicava a criação de produtos inovadores a partir de resíduos de acrílico e poliéster, em que o vencedor recebia um prémio.

Questionados se irão continuar a produzir equipamentos de proteção individual para um segundo pico da pandemia, que de acordo com as autoridades de saúde é um cenário muito possível, a NG5 afirmou que nos próximos meses irá continuar a produzir cerca de 6000 viseiras por semana.

Em suma, com o aumento da produção destes equipamentos verifica-se também o aumento da produção dos resíduos associados, que caso este fenómeno não seja tido em consideração, identificando-se possíveis soluções, pode trazer consequências nefastas para o planeta, razão pela qual é importante a sensibilização destas empresas e da população, de uma forma geral, para o adequado encaminhamento destes resíduos.

Imagem 2: exemplo de rótulo ecológico (fotografia de Mariana Neves)

De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), é igualmente  importante que as empresas optem cada vez mais por materiais reciclados e recicláveis, tendo também em conta que independentemente dos materiais que são utilizados, todos devem ter o rótulo ecológico nacional ou europeu. Este rótulo consiste numa certificação que garante que o material tem um impacto reduzido no ambiente ao longo do seu ciclo de vida.

Ana Santos, Joana Ramos, Mariana Neves, Sérgio Santos