Miguel Nóvoa: êxodo urbano e a salvação do Burro de Miranda

Invulgar foi o percurso que o veterinário Miguel Nóvoa fez durante a sua vida, inverso à maioria dos portugueses, saiu do litoral para o interior de Portugal, em função de uma proposta de trabalho num projeto com o objetivo de proteger a extinção do Burro de Miranda. Esta é a história de uma pessoa que, apesar do reduzido apoio, dedicou a vida a salvar uma espécie animal.

 

Miguel Nóvoa passa a sua juventude em Esposende, e mais tarde, já com o gosto pela natureza, decide ir estudar para uma zona de maior  ruralidade, Vila Real. É neste extraordinário local, que Miguel conhece o Parque Natural do Douro Internacional, uma região única de Portugal, apaixonando-se pelo mundo selvagem da região. Desde cedo, liga-se também à proteção dos animais, “Sempre estive ligado à recuperação e tratamento de animais selvagens, através de uma associação, que ajudei  a desenvolver, o Núcleo do Estudo e Proteção do Ambiente” refere Miguel Nóvoa. Em consequência  do seu percurso é desafiado, em 2001,  para  a missão de dinamizar um projeto que pretendia salvar a raça do Burro de Miranda, ameaçada de extinção, e apoiar a dinamização da AEPGA – Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino.

Com um brilho nos olhos, o veterinário aponta que “Esta autenticidade presente aqui, acaba por ser uma paixão que me fez fixar aqui, inicialmente como jovem estudante, a tentar lutar contra a extinção de uma raça”, sendo este um dos motivos que o fez agarrar esta oportunidade, mesmo sabendo que estaria a sair da sua zona de conforto.  Deslocar-se para esta terra do oeste transmontano, significava deslocar-se para uma zona que sofre com as  políticas de abandono, ostracismo profundo e reduzido apoio a causas como estas,  arriscando assim a ter um futuro incerto.  No entanto,  apesar de todos estes desafios, Miguel decidiu abraçar a missão de salvar o Burro de Miranda. “É preciso muita resiliência para conseguir ultrapassar tantos obstáculos e frustrações por não acreditarem naquilo que desenvolvemos. Contudo, o reconhecimento dos animais, das pessoas e das comunidades locais, compensa e faz-nos esquecer as coisas menos boas”, conta Miguel, em relação à sua grande mudança de vida.

A AEPGA- Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino, criada em 2001,  tem como objetivo preservar a raça do Burro de Miranda, enquanto  património genético e património cultural, a partir de centros de recriação do burro mirandês, assegurando de momento, cerca de cem nascimentos ao ano. Miguel, que acompanhou todo o processo da criação da AEPGA, afirma com certeza, que graças a esta, “Estamos no bom caminho!” e que  “passado 20 anos, a raça do Burro de Miranda tem um futuro mais risonho. Há mais nascimentos, a população está mais rejuvenescida e espalhada pelo país”.

A AEPGA tem vindo a organizar atividades que divulgam a riqueza educativa e cultural deste animal, com um carácter lúdico, como festivais, caminhadas, visitas, tendo até, em 2018, sido aberto o CALP- Centro de Atividades Lúdico-Pedagógicas do Burro de Miranda. A partir destas atividades pode perceber-se o carisma imenso deste animal, “o Burro de Miranda é um animal extremamente dócil” diz Miguel. É uma espécie facilmente domesticada e, mais do que isso, tem  “um potencial enorme como animal doméstico e de companhia, para quem tem espaço para desfrutar da sua presença”. Este animal peculiar conquista a amizade  do humano com muita facilidade, o que levou a que rapidamente fosse criada uma relação especial entre Miguel e os burros, “impossível não me apaixonar por estes animais, porque eles são tão fascinantes, afetuosos e um excelente animal de companhia”.

Há também iniciativas para ajudar a financiar o projeto, como a possibilidade de apadrinhar animais e fazer donativos, sendo assim uma associação em crescimento.  Esta pode não ser a opção mais cômoda, mas  precisam do associativismo, “o trabalho associativo na área da proteção animal não deveria ser tão difícil, deveria existir outra forma de distribuição de fundos de desenvolvimento rural, é uma luta quotidiana para superar as nossas dificuldades”, comenta Miguel na luta para um futuro melhor da associação. 

Miguel encara estes desafios como uma motivação para continuar com esta tarefa, e com orgulho afirma, “A missão inicial de salvar o burro de Miranda foi cumprida, ajustamos novos objetivos. Inicialmente, a grande preocupação era salvar da extinção esta raça autóctone, hoje em dia, os grandes desafios são manter a qualidade de vida e o bem-estar deste e de outros animais”.

 

Luis Martins