Gestão de Resíduos Hospitalares: Incineração versus Autoclavagem

Face à crescente produção de resíduos hospitalares e aos riscos para a saúde e para o ambiente, a incineração e a autoclavagem, enquanto processos de tratamento de resíduos de risco biológico devem ser escrutinados e eletivamente escolhidos tendo em conta os preceitos legais, assim como as suas vantagens e desvantagens.

As unidades de prestação de cuidados de saúde, são um dos maiores produtores de resíduos a nível mundial. Desta forma a importância da gestão dos resíduos hospitalares, tem vindo a aumentar ao longo dos últimos anos.1

Segundo o Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, os resíduos hospitalares (RH) são “Resíduos resultantes de atividades de prestação de cuidados de saúde a seres humanos ou a animais, nas áreas da prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação ou investigação e ensino, bem como de outras atividades envolvendo procedimentos invasivos, tais como acupuntura, piercings e tatuagens”.

 

Centenas de toneladas de RH são gerados diariamente2, sendo que a sua produção depende essencialmente do número de unidades prestadoras de cuidados de saúde (UPCS), do tipo de cuidados prestados, do número de doentes observados, das práticas dos profissionais e dos órgãos de gestão das UPCS, assim como da inovação tecnológica.3 A produção de RH tem vindo a aumentar em termos de quantidade, diversidade e perigosidade, representando um grave problema em termos de saúde pública, ocupacional e ambiental, sobretudo quando o seu destino final não é apropriado.4

Para além dos potenciais riscos para a saúde humana, a negligente gestão dos RH poderá despoletar impactes ambientais negativos como a contaminação da biota animal e vegetal, a contaminação do ar, do solo e das águas, a proliferação de vetores, a libertação de odores desagradáveis, a contaminação de alimentos não protegidos e a emissão de gases e partículas que contribuem para o aquecimento global e depleção da camada de ozono.5 As emissões atmosféricas provenientes da incorreta gestão dos RH, afetam o ambiente local e podem afetar comunidades a milhares de quilómetros de distância.2

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de junho, pode ler-se que é “prioritário reforçar a prevenção da produção de resíduos e fomentar a sua reutilização e reciclagem com vista a prolongar o seu uso na economia antes de os devolver em condições adequadas ao meio natural”, insistindo-se na importância da posterior valorização dos resíduos. Neste sentido, a legislação portuguesa referente à gestão dos RH tem vindo a ser sucessivamente alterada, com o objetivo de prevenir ou reduzir ao mínimo os efeitos negativos no ambiente e os riscos para a saúde humana.4

Os RH podem ser classificados como pertencentes aos Grupos I e II (não perigosos) ou aos Grupos III e IV (resíduos perigosos) e em Portugal admite-se a gestão conjunta com os resíduos urbanos para os resíduos dos Grupos I e II, sendo exigidos tratamentos específicos para os resíduos dos Grupos III e IV. Os resíduos do Grupo III, de risco biológico, podem ser tratados por incineração ou por outro pré-tratamento eficaz, nomeadamente a autoclavagem, permitindo posterior eliminação como resíduo urbano. Em relação aos resíduos do Grupo IV, é considerado obrigatório o recurso à incineração.1, 4, 5, 7

A AUTOCLAVAGEM é um processo de esterilização amplamente utilizado em UPCS. Este processo consiste em manter o material contaminado a uma temperatura elevada e em contacto com vapor de água, existindo sucessivos ciclos de compressão e de descompressão de forma a facilitar o contacto entre o vapor e os resíduos, este processo deve ocorrer durante tempo suficiente para destruir potenciais agentes patogénicos ou reduzi-los a um nível em que não constituam risco, em que a probabilidade de sobrevivência de microrganismos é quase nula. 2, 4, 5, 8, 9, 10, 11

As principais vantagens do tratamento por autoclavagem surgem associadas ao fato de se tratar de uma tecnologia bem conhecida, simples de operar, com custos de investimento e operação relativamente baixos, com fácil controlo biológico e uma significativa redução de volume de resíduos quando associada a uma etapa da trituração. Os resíduos resultantes da autoclavagem são classificados como não perigosos, podendo em regra geral, ser depositados em aterros para resíduos não perigosos, para além de se tratar de um tratamento bem aceite pela opinião pública.4, 8, 12

Em relação às desvantagens, salienta-se que: (i) a eficiência de descontaminação é bastante sensível às condições de operação; (ii) os resíduos não se tornam irreconhecíveis caso não seja associada a uma etapa de trituração; e (iii) podem ser produzidos odores desagradáveis.4, 12 Acrescenta-se ainda que o processo de autoclavagem não pode ser utilizado para o tratamento de substâncias radioativas, citostáticas, explosivas e líquidos inflamáveis.12 Para além de emissões gasosas, o processo de autoclavagem tende a gerar um fluxo de águas residuais que precisa de ser eliminado.4

A INCINERAÇÃO é um dos métodos mais antigos para o tratamento de RH 4, sendo o tratamento mais comumente usado em todo o mundo.8 Este processo consiste em submeter os resíduos a uma gaseificação química de materiais orgânicos combustíveis, através de reações de oxidação requerendo por isso, a presença de oxigénio.1

O seu uso tem vindo a ser posto em causa devido à potencial emissão de grande variedade de poluentes, tais como o dióxido de carbono, monóxido de carbono, óxidos de azoto, gases ácidos e poluentes orgânicos persistentes como as dioxinas, furanos e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. 1, 4, 8, 12, 13

Durante o processo de combustão formam-se cinzas que, dependendo da sua composição, poderão sair sob a forma de cinzas de fundo ou escórias ou sob a forma de matéria particulada em suspensão nos gases de combustão, designadas de cinzas volantes.1 Estas últimas são sujeitas a um tratamento de estabilização antes de serem eliminadas em aterro. As cinzas, como resíduo secundário, podem conter substâncias perigosas, devendo por isso ser eliminadas como resíduo perigoso.4, 8, 10

Segundo a Portaria n.º 43/2011, de 20 de janeiro, um outro inconveniente do tratamento por incineração dos resíduos reside na perceção pública de risco, que pode conduzir à oposição dos moradores locais e grupos ambientalistas (síndrome de NIMBY).4

Apesar das diversificadas desvantagens, a sua recorrente utilização deve-se às suas mais-valias, sendo que uma das principais vantagens é a possível valorização energética, com a criação de energia térmica gerada pela combustão dos resíduos, a qual pode ser aproveitada para a produção de energia elétrica ou para aquecimento através da produção de vapor ou água quente. Deste modo é possível recuperar por cada processo de incineração parte da energia dissipada, perspetivando-se assim os resíduos como uma fonte de energia.4, 14 A combustão permite também uma redução considerável do volume e da massa dos RH, tornando-os irreconhecíveis após o tratamento. Para além disso, trata-se de um processo que não causa libertação de odores.1, 4, 8, 12

Concluindo, ambos os procedimentos apresentam vários inconvenientes, devendo ser realizados mais estudos que avaliem a eficiência da autoclavagem no tratamento de RH. Devido aos custos e aos riscos ambientais, o processo de incineração deverá ser exclusivamente utilizado quando não existir outras tecnologias alternativas para o tratamento dos resíduos. Atualmente, poderá ser mais eficaz a utilização da incineração dos RH perigosos desde que seja um procedimento altamente controlado, de forma a evitar emissões atmosféricas, e que posteriormente sejam devidamente perscrutadas e analisadas as cinzas resultantes do processo, assegurando que sofrem tratamentos convenientes que garantam a redução, ao mínimo, de todos os possíveis riscos subsequentes à sua eliminação em aterro.

Contudo, estudos sugerem a utilização de outros processos de tratamento térmico, como a gaseificação ou a pirólise por plasma para a incineração de RH, considerando que estes conduzem a uma menor degradação ambiental e a impactes insignificantes em termos de saúde pública.4 Estes processos permitem uma manipulação mais segura de resíduos tratados, menores custos de operação e manutenção, uma redução mais eficaz dos microrganismos e uma eliminação segura.4, 10

 

REFERÊNCIAS

  1. Cátia Da Costa Cristiana, Ribeiro Filipe Seabra, Frederico Moreira, Márcia Barbosa, Marta Silva. PROJETO FEUP. Gestão de Resíduos Hospitalares. Documento em PDF, disponível em: http://paginas.fe.up.pt/~projfeup/bestof/12_13/files/REL_MIEA102_01.PDF Consultado em: 09/05/17
  2. Ali Ferdowsi, Masoud Ferdosi, andMohammd Javad Mehrani.  Incineration or Autoclave? A Comparative Study in Isfahan Hospitals Waste Management System. Mater Sociomed. 2013; 25(1): 48–51. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3633376/ Consultado em: 17/05/17
  3. António Manuel Barata Tavares. A GESTÃO DOS RESÍDUOS HOSPITALARES E O PAPEL DA AUTORIDADE DE SAÚDE. Documento em PDF, disponível em:
    https://run.unl.pt/bitstream/10362/3317/1/RUN%20-%20Tese%20de%20Doutoramento%20-%20Antonio%20Tavares.pdf Consultado em: 09/05/17
  4. José Pedro Oliveira Caldeira. O TRATAMENTO DE RESÍDUOS HOSPITALARES EM PORTUGAL COM PARTICULAR INCIDÊNCIA NA INCINERAÇÃO. Documento em PDF, disponível em: http://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/5184/1/PPG_24030.pdf Consultado em: 09/05/17
  5. DGS – António Tavares, Cândida Pité Madeira, Carla Barreiros, Carla Dias Ramos, Patrícia Pacheco, Vera Noronha. Plano de Gestão de Resíduos Hospitalares em Centros de Saúde. Documento em PDF, disponível em: https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0ahUKEwjj_fb82OXTAhXMXhoKHQBFCtMQFggnMAE&url=https%3A%2F%2Fwww.dgs.pt%2Fdocumentos-e-publicacoes%2Fplano-de-gestao-de-residuos-hospitalares-em-centros-de-saude-pdf.aspx&usg=AFQjCNEuzDRgT_vG3pkeHpKSyt6HnxWUkA&sig2=N-x2_Zn6rgIQrHKFZ4ZctA&cad=rja Consultado em: 10/05/17
  6. Gautam V,Thapar R, Sharma M. Biomedical waste management: incineration vs. environmental safety. Indian J Med Microbiol 2010; 28(3):191-2. Disponível em:
    https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20644303 Consultado em: 18/05/17
  7. DGS – Direção de Serviços de Prevenção da Doença e Promoção da Saúde. RESÍDUOS HOSPITALARES (Documento de Orientação). Disponível em: https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0ahUKEwjUnrX2x_TTAhWDVhoKHa24BfEQFggqMAE&url=https%3A%2F%2Fwww.dgs.pt%2Fdocumentos-e-publicacoes%2Fresiduos-hospitalares-pdf.aspx&usg=AFQjCNHNyf8T7eEoVMP88ehgwxSfYtsmCg&sig2=NueyGuZVHly7HSIeb_M6XQ&cad=rja Consultado em: 19/05/17
  8. Sohrab Hossain, Venugopal Balakrishnan, Nik Norulaini, Nik Ab Rahman, Md. Zaidul Islam Sarker, Mohd Omar Ab Kadir. Treatment of Clinical Solid Waste Using a Steam Autoclave as a Possible Alternative Technology to Incineration.  J. Environ. Res. Public Health2012; 9(3), 855-867. Disponível em:
    http://www.mdpi.com/1660-4601/9/3/855/htm Consultado em: 09/05/17
  9. Anaclara Ferreira Veiga Tipple, Francine Vieira Pires, Simone Vieira Toledo Guadagnin, Dulcelene de Sousa Melo. O monitoramento de processos físicos de esterilização em hospitais do interior do estado de Goiás. esc. Enferm. 2011; USP vol.45 no.3. Disponível em:
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342011000300029 Consultado em: 19/05/17
  10. Ian Blenkharn. Safe disposal and effective destruction of clinical wastes. Journal of Hospital Infection. 2005; 60(4):295-7. Documento em PDF, disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Ian_Blenkharn/publication/7782502_Safe_disposal_and_effective_destruction_of_clinical_wastes/links/02bfe50f9801b12e1f000000.pdf Consultado em: 09/05/17
  11. Hassan Taghipour,Mina Alizadeh,Reza Dehghanzadeh, Mohammad Reza Farshchian, Mohammad Ganbari, Mohammad Shakerkhatibi. Performance of on-site Medical waste disinfection equipment in hospitals of Tabriz, Iran. Health Promot Perspect. 2016; 6(4): 202–206. Disponível em:
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  12. Agnieszka Zimmermann, Robert Szyca. Medical Waste Management in Poland – the Legal Issues. Environ. Stud. 2012; Vol. 21, No. 4: 1113-1118 Documento em PDF, disponível em: http://www.pjoes.com/pdf/21.4/Pol.J.Environ.Stud.Vol.21.No.4.1113-1118.pdf Consultado em: 18/05/17
  13. Yves Chartier. ‎World Health Organization. Safe Management of Wastes from Healthcare Activities. Disponível em: https://books.google.pt/books?hl=pt-PT&lr=&id=qLEXDAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PP1&dq=Safe+Management+of+Wastes+from+Healthcare+Activities&ots=JkF1xY3-BQ&sig=op2qKldV8pnGiFXXydy5mMfwPYI&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false Consultado em: 15/05/17
  14. C. Pirotta, E.C. Ferreira, C.A. Bernardo. Energy recovery and impact on land use of Maltese municipal solid waste incineration. Energy 2013; 1-11. Documento em PDF, disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/24303/1/1-s2.0-S0360544212008298-main.pdf Consultado em: 15/05/17