Desperdício alimentar: verdades não consumidas

Em média, todos os anos letivos são desperdiçadas cerca de 3000 refeições não consumidas pelos alunos na EB2,3 André Soares. Este desperdício alimentar, um grave problema transversal a todas as escolas e à sociedade, é um flagelo silencioso que está presente diariamente na cantina desta escola. Manuela Silva, adjunta da direção do Agrupamento de Escolas André Soares, alerta que esta situação “torna-se num prejuízo financeiro, para além de ser considerado ambientalmente e socialmente condenável”.

Na EB 2,3 André Soares, em Braga, “por dia são deitadas ao lixo, em média, 15 a 20 refeições. Cerca de 4% das refeições confecionadas diariamente, para os alunos desta escola, não são consumidas e vão diretamente para o lixo e, consequentemente, para um aterro sanitário sem que haja valorização destes resíduos. “Esta é uma realidade que existe nesta escola”, diz Manuela Silva. “O desperdício alimentar é um problema invisível e incómodo, presente no quotidiano de todos” e que, para a adjunta, “É muito preocupante, há anos que lutamos contra isso. O controlo é difícil, tendo em conta a falta de pessoal e de obediência dos alunos.”  

 As refeições têm um custo associado que não reflete o preço real da mesma, estando indexado ao escalão de Ação Social Escolar (ASE)  de que os alunos podem usufruir, e que  depende do abono atribuído à família. No escalão A, a refeição é totalmente subsidiada; no escalão B, uma refeição tem um custo de 0,73 euros; no caso dos alunos sem escalão a refeição tem um custo de 1,46 euros, ainda que cada refeição tenha um preço de 1,68 euros para a escola.

Da análise dos dados referentes à situação da escola sobre as refeições não consumidas, no ano escolar transato (2019/2020), verifica-se que, das refeições não consumidas, cerca de 34,2% dizem respeito aos alunos sem escalão (sem apoio). Os alunos que usufruem de escalão A desperdiçam cerca de 37,8% dessas refeições. Os alunos com escalão B desperdiçam cerca de 24,4% das refeições. Os alunos que têm escalão C são os que menos desperdiçam, com cerca de 3,6%. Os alunos com refeições subsidiadas, em conjunto, são os que apresentam mais refeições não consumidas.

A escola tem estado atenta a toda esta situação, “Quando os alunos não consomem as refeições, têm de pagar multas. Os alunos com escalão A, com mais dificuldades económicas, não pagam pela refeição, mas quando não consomem pagam o seu valor real, 1,68 euros. Os alunos com escalão B, com algumas dificuldades económicas, pagam 73 cêntimos, mas quando não consomem pagam o restante valor (0,95 euros). Os alunos sem escalão e com escalão C, pagam 1,46 euros, mas, quando não consomem pagam um valor adicional de 22 cêntimos”, remata Manuela Silva. Os diretores de turma sensibilizam para esta questão e alertam os alunos para o pagamento das multas, mas, no fim do ano letivo “ainda temos uma dívida enorme, porque os alunos não as pagam. Multas de maior valor não são solução, até porque tal não é permitido por lei, apenas é permitido cobrar o valor real da refeição.”  informa a adjunta da direção.

Manuela Silva refere que, para reverter esta situação preocupante, “teria de vir mais consciencialização de casa”. Quando os alunos não gostam do que lhes é servido, passa a ser “um grande problema”. Os alunos não comem o que lhes é apresentado. Além disso, como não pagam muito, pensam que têm o direito de não comparecer e desperdiçar comida”, refere  a adjunta do Agrupamento de Escolas André Soares. De acordo com uma Auditoria Ambiental realizada pelo Eco-Escolas, dos alunos que não consomem as refeições marcadas, é frequentemente apontada como razão ser um prato de peixe, outros justificam-se  por esquecimento na desmarcação por motivos de força maior, ou também é apresentada com frequência a razão de “não sei porquê”.

De acordo com Manuela Silva, a escola não tem protocolo com instituições que possam recolher estas refeições não consumidas e posteriormente distribuí-las. Por vezes, aos alunos carenciados, são oferecidas as refeições não consumidas. No entanto, no fim do ano ainda são desperdiçadas milhares de refeições, sem contar com a comida que os alunos deixam no prato. Estas entidades sem fins lucrativos, com uma estrutura estabelecida,  poderiam ser um parceiro chave para dar um fim útil a estas refeições não consumidas, distribuindo-as por famílias carenciadas.

A Estratégia Nacional e Plano de Ação de Combate ao Desperdício Alimentar é uma das iniciativas desenvolvidas, com o objetivo de diminuir e melhorar o conhecimento da população em relação ao aproveitamento de refeições. Este plano de ação tem a Medida 3 (DGE) para a escola, que tem um papel estruturante na construção de uma maior consciência quanto a esta problemática, mas que neste caso parece carecer de implementação.

O desperdício de refeições representa um grave problema do ponto de vista socioambiental. Para além disso, o transporte e deposição destes resíduos tem consequências ambientais que sobrecarregam os aterros sanitários, bem como os custos económicos do desperdício alimentar, que tendem a ser subvalorizados.

Gustavo Santos, Miguel Truta