“Coruche Inspira… Santana do Mato dá trabalho”

A face negra de quem trabalha

Das 7:00 da manhã até às 16:00 da tarde os trabalhadores, mais conhecidos por motosserras, não param nos fornos de carvão de Santana do Mato.

Fomos guiadas pela senhora Alexandra, uma das trabalhadoras nos fornos de carvão, na descoberta de um universo milenar que garante a sobrevivência de 95% da população de Santana do Mato.

Quando a matéria-prima, é extraída da região o processo tem início com a sua recolha e transporte, diretamente da natureza, com auxílio de grandes camiões. Por vezes, a madeira utilizada é proveniente de outros locais que não os regionais, como Cuba (no Alentejo). A lenha de azinheira é a melhor para a produção de carvão vegetal, contudo não é muito utilizada uma vez que se trata de uma madeira muito húmida, que existe em pouca quantidade e que, durante o processo é pouco aproveitada. Torna-se, por isso, cara e consequentemente menos rentável.

O sobro apresenta-se como opção mais viável que o azinho, embora se equiparem na qualidade. Outras madeiras distinguidas são a de oliveira e a de eucalipto. No caso dos fornos de Santana do Mato, a lenha que geralmente se costuma usar é a “esgalha”, que é a madeira proveniente do sobro.

Antes de ser colocada no forno, a lenha recolhida tem de ser descortiçada e rachada com rachadores de lenha, para mais facilmente ser transformada pela ação intensa do calor. Esta tarefa é deveras arriscada, pois “A mínima distração pode ser fatal” – Alexandra.

O perigo obriga à responsabilidade e isso passa pela proteção. Essa proteção é conseguida através do uso de luvas, de máscaras com filtro (que nem sempre estavam colocadas) e calçado com biqueira de aço.

Os fornos têm forma de “iglo” e são arquitetados a partir do chão com apoio de um cordel preso a uma estaca no meio do local onde será, cada um deles, edificado com tijolos, cimento e saibro (mistura de argila e areia usada para preparar argamassa). Esta técnica do cordel permite dar forma arredondada à estrutura, pois à medida que se vão colocando os tijolos, cimento e saibro, vai subindo e simultaneamente afunila. Um pormenor importante para que o forno seja eficaz é a necessidade de este ser construído de forma a que a sua parede fique encostada a uma pequena barreira de terreno. A lenha é empilhada no seu interior a partir de uma abertura em forma de porta na zona frontal que é depois fechada com tijolos e saibro. Uma vez preparado o forno, lança-se para o interior uma chama através de uma janela previamente aberta na zona de barreira atrás do forno, sendo esta posteriormente selada de modo a evitar fugas. O forno fica fechado ao longo de 3 a 5 dias e todas as manhã a porta é de novo revestida por barro para o manter bem abafado. Decorrido este período, o forno é aberto e o carvão é retirado, gesto ao qual se chama “desenfornar”. É, em seguida, partido com maços e ensacado. Seguem-se 8 dias de arrefecimento do forno até se poder começar uma nova “fornada” de madeira. Cada forno, consoante o tamanho, produz cerca de 3.200 a 3.300 quilos de carvão, sendo que, no total, se obtêm, no mínimo, 12 a 16 toneladas e, no máximo, 45 toneladas. A dimensão do forno influencia também o tempo de cozedura do carvão e, na altura do Inverno, com as baixas temperaturas e a humidade do ar, a quantidade de carvão produzida diminui para cerca de 2.800 quilos por forno. Embora se trate de um processo moroso, a espera é recompensada com, pelo menos, 300 sacas de carvão, que podem chegar além das fronteiras portuguesas, alcançando a Espanha, França e Irlanda.

Atualmente estão empregadas 11 pessoas, incluindo homens e mulheres. Já têm nas palmas das mãos anos de experiência e o seu trabalho é auxiliado pela identificação de certas características como o calor que provem do forno quando o carvão já se encontra cozido, a cor (azulada) do fumo que sai pelas três únicas chaminés de cada forno, ou a textura do barro que cobre a sua entrada.

O trabalho por si só é muito duro, e fazê-lo sob intenso calor enquanto se respira um ar impregnado de pó de carvão, em conjunto com o fumo próprio da atividade, faz levantar algumas questões ao nível ambiental e da saúde, não só de quem a exerce, mas também da restante população que vive nas periferias dos fornos. Contudo, esta prática há muito enraizada, é a base da economia desta freguesia e, apesar do esforço físico a ela associado, a produção de carvão vegetal cria outros postos de trabalho indiretos (área administrativa e contabilística); não obstante a exigência física, o trabalho nesta área constitui uma opção para quem chega ao país em busca de oportunidades de emprego, como é o caso dos emigrantes.

Temos o testemunho pessoal da senhora Alexandra, que trabalha nos fornos há 15 anos e nos confidenciou que todos os anos faz exames médicos, sendo que, até aos dias de hoje, não lhe foi diagnosticado nenhum problema pulmonar.

A zona onde os fornos se localizam não dispõe de condições muito favoráveis para a produção de carvão, pois não existem nas imediações infraestruturas básicas como para o abastecimento de água ou energia. Uma vez que esta é uma atividade que não passa despercebida já foi alvo de fiscalizações; ainda assim nunca foram muito penalizados.

Os empresários do ramo projetam, no futuro próximo, a construção de balneários para os trabalhadores chegarem às suas casas limpos, confortáveis, e livres do cheiro a fumo que não é indiferente a quem passa pela zona.

Não obstante o perigo ambiental subjacente, esta atividade tem, inegavelmente, uma expressão social e económica muito significativa na população residente, e os autarcas do concelho de Coruche e da freguesia de Santana do Mato apoiam esta indústria instalada prezando todas as iniciativas que visem diminuir danos ambientais e promover a melhoria substancial da qualidade de vida destes trabalhadores.

Leonor Raposo, Tânia Ruivo