Cavalos marinhos da Ria Formosa: Que medidas exigem?

A exploração e a degradação marinha através da ação humana cada vez mais prejudicam os ecossistemas aquáticos, o que acarreta riscos a milhares de espécies que vivem no fundo do mar, como é o caso do cavalo-marinho. Portugal, em particular a Ria Formosa, já foi uma das maiores comunidades de cavalos-marinhos na Europa, no entanto, tem-se assistido a uma diminuição significativa da sua população. A Ria Formosa abrigava, há cerca de 20 anos, aproximadamente dois milhões de cavalos-marinhos, hoje restam menos de 10%. É, por isso, urgente a sua conservação.

Vanda Lobo, licenciada em Biologia Marinha pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, começou a trabalhar ainda nos anos 90, aquando da abertura do Oceanário, na manutenção dos aquários dos cavalos-marinhos. Presentemente a ocupar o cargo de gestora de projetos do Oceanário e integrante da Fundação Oceano Azul, falou-nos sobre a atual situação dos cavalos-marinhos em Portugal, mais precisamente na Ria Formosa, no Algarve, bem como dos projetos que têm sido desenvolvidos em prol da conservação deste género de peixes tão emblemático. 

 

Como surgiu o interesse pelos cavalos marinhos e como começaram as investigações? 

No início da minha carreira, comecei a trabalhar no Oceanário e durante muitos anos dediquei-me à manutenção dos aquários dos cavalos-marinhos, e tudo que isso implica, nomeadamente alimentação e conservação.

Mais tarde, surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o Brasil, onde estive à frente da construção de um aquário, um pouco à semelhança do que tinha acontecido com o Oceanário de Lisboa. Portanto, a minha ligação com os cavalos marinhos vem de longa data.

Mais recentemente, e já na Fundação Oceano Azul, onde o Oceanário se assume como um ativo fundamental, integrei as investigações. Apesar de não estar inicialmente previsto no plano de ação da fundação a sua conservação, os especialistas começaram a notar um grande decréscimo da população de cavalos marinhos, em especial na Ria Formosa, que já foi a maior comunidade da Europa. Desta forma, e uma vez que o Oceanário já se dedicava à criação e manutenção de cavalos marinhos, foi-se juntando à Fundação Oceano Azul e juntos começaram a desenvolver vários projetos, estabelecendo, naturalmente, parcerias com outras instituições.

Qual é a situação atual da espécie na Ria Formosa?

Há alguns anos atrás notou-se 95% de decréscimo das populações, e foi devido a esse decréscimo, que os especialistas chegaram à conclusão que tinha que se fazer algo para a sua conservação, vindo, por isso, a surgir inúmeros projetos. 

Na Ria Formosa, existem duas espécies de cavalos-marinhos: cavalo marinho de focinho longo (Hippocampus guttulatus), o mais comum, e o cavalo marinho de focinho curto (Hippocampus hippocampus). São espécies particularmente vulneráveis a fatores de pressão como a pesca ilegal, a poluição sonora, bem como a alteração e destruição do seu habitat preferencial – as pradarias marinhas.

Atualmente, no que diz respeito ao decréscimo da população de cavalos marinhos na Ria Formosa, a situação está mais controlada, nomeadamente no que diz respeito à pesca ilegal de arrasto, apesar das investigações estarem paradas desde 2019. Devido à pandemia pouco tem sido feito, mas anteriormente havia muitas ideias de proteção e consciencialização.

 Atualmente como estão as investigações?

Como referi anteriormente, atualmente as investigações por parte do Oceanário e da Fundação Oceano Azul, no que aos cavalos marinhos diz respeito, são menos frequentes. Contudo, os investigadores do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMAR) continuam com ideias e com alguns projetos de conservação. O Oceanário e a Fundação Oceano Azul apoiarão sempre qualquer investigação.

 Quais os projetos mais importantes que já foram desenvolvidos?

Vários foram os projetos desenvolvidos, uns pensados para um horizonte temporal mais alargado, como é o caso do projeto que envolveu o nosso apoio e que consistiu na criação e manutenção de áreas marinhas protegidas, mas também outros projetos e campanhas que decorreram num período de tempo mais curto, nomeadamente:

– Projeto “Hipposave”, cujo principal objetivo foi a criação de um plano de ação para a recuperação e conservação das populações de cavalos marinhos na Ria Formosa, com base nas investigações desenvolvidas pelo Grupo de Hidroecologia e Biologia Pesqueira do CCMAR, em que foi possível avaliar o estado atual da espécie, criando assim zonas de santuário e zonas de proteção (2021);

– Projeto “Cavalos marinhos desconhecidos”, onde houve a criação de centros de mergulho com intuito de capacitar mergulhadores profissionais para a conservação da espécie (2020);

 – Sessões de discussão com empresas marítimo-turísticas e pescadores, com o objetivo de se conservar os fundos marinhos e de criar novas zonas de refúgio. Estas sessões tiveram a colaboração do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no início de 2019;

– A SCIAENA e a WWF (World Wild Found) Portugal criaram fóruns de discussão para recomendações de conservação da espécie (2019);

– Campanha “A cavalgar para a extinção”, que pretendeu sensibilizar o público e apontar três soluções concretas: não apanhar ou tocar nos cavalos marinhos, fundear os barcos de recreio com precaução, evitando zonas de pradaria marinha, e evitar fazer ruído excessivo com as embarcações fora dos canais de navegação (2019);

– Campanha “Vamos salvar os cavalos marinhos da Ria Formosa”, cujo principal objetivo seria contribuir de forma efetiva para a implementação de todas as medidas necessárias, de modo a travar o declínio das populações de cavalos marinhos na Ria Formosa. A propósito desta campanha, foram realizadas diversas ações de sensibilização ambiental em escolas, dirigidas a crianças, que abrangeram cerca de 60% dos alunos do primeiro ciclo da região do Algarve e dos quais resultaram a elaboração de materiais didáticos e pedagógicos – “O Xerife da Ria Formosa” (2018);

– “Projeto Seahorse”, um projeto internacional que ainda decorre, e que tem como objetivos a recuperação do habitat dos cavalos marinhos o e o repovoamento das suas populações com espécimes criados em cativeiro;

A Fundação Oceano Azul, juntamente com o Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI), pensaram em colocar estruturas anti- arrasto que iriam fornecer novos esconderijos aos cavalos marinhos e que danificariam as redes de arrasto, uma das principais causas de destruição do habitat destes animais, no entanto, este projeto acabou por não seguir em frente.

Quais os projetos futuros?

A Fundação Oceano Azul e o Oceanário ainda não têm nada em concreto, neste momento, embora se perspetive que se dê continuidade ao projeto “Cavalos marinhos desconhecidos”.

Como podemos promover a conservação da espécie?

Sempre que estivermos disponíveis devemos passar a palavra, divulgar nas redes sociais, consciencializar e alertar as populações, falando da importância patrimonial que a espécie tem em Portugal e, naturalmente, é fundamental que as pessoas respeitem a legislação existente nomeadamente no que se refere às medidas necessárias à preservação e conservação dos cavalos marinhos.