Cavalos-marinhos da Ria Formosa, a luta contra a extinção

A Ria Formosa possuía uma das maiores concentrações de cavalos marinhos do mundo, mas atualmente estão a ser dizimados pela captura ilegal, ligada a interesses da medicina, decoração e alimentação de algumas culturas orientais, ainda que também a poluição e falta de proteção leve a que esta espécie possa entrar numa rápida extinção.

Hippocampus hippocampus // Fotografia cedida por Rui Santos, CCMAR, Universidade do Algarve

O aquecimento global, a poluição e a grande procura nos mercados orientais pelos cavalos-marinhos estão a dizimar esta espécie na Ria Formosa, no Algarve. Comparando com 2012, ano do último censo, a diminuição é de 80%. É difícil imaginar que nessas águas da Ria Formosa já viveu a maior comunidade do mundo desta espécie. A ria, há 20 anos, abrigava cerca de dois milhões de cavalos-marinhos, contudo, hoje restam menos de 10%. Cláudia Sil, engenheira biológica de formação, especialista em assuntos da água, e Presidente da Quercus do Algarve, recorda que, “quando era criança, brincava muito com os cavalos-marinhos na ria porque eram muito abundantes”.

Pradaria da Ria Formosa// Fotografia cedida por Rui Santos, CCMAR, Universidade do Algarve

Em entrevista, Cláudia Sil alerta que “não são os pescadores a causa principal da extinção dos cavalos-marinhos na Ria Formosa, sendo a poluição o principal fator”. Salientou a importância desta espécie e acrescentou que se não existissem cavalos-marinhos na Ria Formosa esta estaria repleta de caranguejos, por exemplo. Eles têm um grande papel no equilíbrio da biodiversidade daquela zona” e “muitos dos métodos de pesca furtiva danificam os habitats destes animais, destruindo ecossistemas frágeis”, contribuindo para a degradação dos habitats, zonas de pradarias de ervas marinhas, que desempenham a função de “maternidade” para várias espécies e são usadas pelos cavalos-marinhos para se segurarem nestas ervas, com ajuda da sua cauda preênsil. Segundo a engenheira, “mesmo se se fizesse um repovoamento de cavalos-marinhos, haveria o risco de não sobreviverem” porque teriam o seu habitat parcialmente destruído.

As pradarias têm um papel fundamental para a retenção dos gases com efeito de estufa e para mitigar os efeitos das alterações climáticas, através da captura destes gases. O Centro de Ciências do Mar (CCMAR) estima que cerca de 200 mil toneladas de carbono estejam retidos nestas plantas, aproximadamente 30% dos valores armazenados nos principais ecossistemas costeiros do país. A poluição sonora provocada pelo excesso de embarcações também perturba estes peixes com características especiais, sendo este outro fator que põe em risco o equilíbrio destas zonas húmidas de extrema importância ambiental.

O comércio ilegal de cavalos-marinhos tem como objetivo a sua captura para viverem em aquários, ou então para o uso na medicina tradicional oriental. Estima-se que, em todo o mundo, todos os anos sejam mortos 70 milhões de cavalos-marinhos para saciar a procura crescente da medicina tradicional oriental, crendo que a utilização destes animais serve para curar doenças como a asma e a impotência sexual.

Como medida de intervenção, propõe-se a criação de áreas de proteção e o restauro ecológico das áreas destruídas, essenciais para a sua sobrevivência, acreditando-se que seriam espontaneamente ocupadas pelos cavalos-marinhos selvagens.

Engenheira Cláudia Sil, bióloga, especialista em assuntos da água, e representante da Quercus do Algarve

Cláudia Sil informou que “existe um projeto do CCMAR, que concebeu e desenvolveu a criação de Hippocampus hippocampus e o Hippocampus guttulatus em cativeiro, para serem posteriormente libertados na natureza” pioneiro a nível mundial, ao conseguir a reprodução com sucesso destas espécies em laboratório. Este projeto pretende diminuir a pressão sobre as colónias de cavalos-marinhos, e repovoar estes habitats, onde esta espécie já foi abundante.

Para procurar preservar o equilíbrio da Ria Formosa, zona húmida protegida que abrange vários concelhos do litoral do sotavento algarvio, não se deve apanhar ou tocar nos cavalos-marinhos, devendo-se fundear os barcos com precaução, evitando zonas de pradarias e combater a poluição sonora e química com as embarcações fora dos canais de navegação reservados para este efeito.

João Catarino Gomes, joão Dinis Rocha