Boas atitudes, água limpa

"Antigamente não havia água canalizada em casa, tinha de percorrer mais de meio quilómetro para ir buscar água e encher a vasilha", comenta Luís Gonçalves, reformado, nascido em 1947. O esforço de muitos governos na busca do acesso ao saneamento e higiene adequados e equitativos para todos, tornou-se uma realidade para muitas pessoas. No entanto, os consumidores não se apercebem de todo o esforço que foi necessário, do caminho percorrido, para obter qualidade e sustentabilidade deste bem e sobretudo para a manutenção da taxa de eficiência do saneamento alta, para a qual é crucial alterarmos os nossos hábitos não sustentáveis.

“Hoje em dia toda a gente tem água, não é como antigamente…não havia casas de banho ou esgotos” desabafa Luís. O acesso generalizado ao saneamento adequado reduziu o risco de doenças ligadas ao consumo de água e ao esgoto a céu aberto. Esta condição privilegiada, deu ao Homem a possibilidade de existir, prosperar e habitar este planeta. A nossa espécie ocupou territórios, cresceu e desenvolveu-se com base nesta condição natural tão importante e valiosa que é a água e a higiene. Esta situação tem sido algo garantido na vida da geração dos millennials, que não conseguem imaginar o que seria viver sem este bem essencial. Ainda assim, enfrentamos imensos desafios para alcançar uma cobertura de saneamento e uma rede de água potável universal, garantindo a disponibilidade e gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos. Estaremos  a atuar com responsabilidade perante estes privilégios? Qual o impacto do nosso comportamento na sustentabilidade do saneamento básico?

O modelo de sociedade dos países industrializados habituou os cidadãos a este facto e, consequentemente, deixou de se valorizar o acesso constante a este bem essencial que é a água. Passou-se a usar a água indiscriminadamente, dando-lhe sempre novos usos, sem avaliar as consequências ambientais e da saúde que estes poderiam trazer. A quantidade de água gasta ou a qualidade da água usada, após servir o seu propósito, tornaram-se dados desprezados, mesmo que importantes. Este consumo desmesurado e irresponsável de água potável no nosso quotidiano criou novos desafios para a sustentabilidade das cidades, que são enfrentados diariamente por empresas como a Agere, que se responsabilizam pela gestão das águas e efluentes.

Os detritos acumulados e separadas das águas que os levaram até a ETAR de Frossos // Ana Gabriela Ribeiro

O processo de renovação e purificação da água residual torna-se essencial e configura-se como um desafio para a nossa sociedade.  Apesar disso, para aqueles que nasceram sem a preocupação de onde vem a água da torneira e para onde vai o que é descarregado na sanita, acabam por, consequentemente, desprezar ações ecológicas, tornando mais difícil alcançar a meta da conquista ao acesso de água potável e segura universal e equitativo. A engenheira biológica, Ana Gabriela Ribeiro, da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), de Frossos, em Braga, alerta para que “se não fizermos uma utilização responsável da água, evitando o desperdício, acaba por ser um comportamento irresponsável com impacto para a sociedade e ambiente”. Avisa ainda que “o uso desmesurado de água, aumenta desnecessariamente o caudal da água que deverá ser tratada”, tendo isto um impacto na capacidade de resposta de toda a rede de tratamento de águas residuais, que são essenciais para garantir uma devolução ambientalmente correta dos efluentes para a natureza após o tratamento e  purificação das águas residuais.

Há comportamentos irrefletidos que colocam pressão em todo o sistema de tratamento de águas residuais. Descarregar resíduos sólidos na rede de saneamento, como por exemplo, preservativos, cotonetes, pensos, tampões, beatas de cigarros, toalhetes, medicamentos, óleos alimentares e restos de comida é um problema real para os sistemas de tratamento de esgotos e acabam muitas vezes nos rios e mares, pondo em causa a sustentabilidade ambiental e a viabilidade financeira do tratamento das águas residuais. Ana Gabriela Ribeiro alerta ainda que, “Neste momento, os toalhetes são dos piores resíduos que chegam às ETAR”. Ao contrário do papel higiénico que se desintegra e desaparece, os toalhetes resistem nas suas propriedades físicas, pois têm características físicas muito próprias, são  elásticos e não se degradam na presença de água. Estes são então difíceis de rasgar e, muitas vezes, acabam por danificar os equipamentos mecânicos indispensáveis no processo do tratamento de águas. Este tipo de material que é atirado pela sanita e não é biodegradável, cria também entupimentos em condutas de prédios e ainda o estrangulamento das redes de esgotos. Gabriela Ribeiro aconselha vivamente a “Não descarregar este tipo de resíduos sólidos nas sanitas ou na banca da cozinha”, que a par dos problemas ambientais, derivados das substâncias químicas tóxicas, que são introduzidas na água e que não são tratadas, há também reflexos, quando estes detritos superam a rede e chegam às estações de tratamento. Este tipo de resíduos têm bastantes consequências  nos prejuízos das empresas de tratamento de águas, e posteriormente têm impacto no custo final ao consumidor e nos impostos para todos os contribuintes.

Águas residuais em processo de tratamento a partir de uma garra que retira resíduos sólidos como panos e toalhetes. // Ana Gabriela Ribeiro

A água foi sempre um recurso oferecido pelo Planeta Terra, e a humanidade, ao longo destes anos, alcançou em certas partes do planeta, níveis de distribuição e reutilização deste recurso extraordinários. Mas mesmo dependentes da água, tornamo-nos descuidados e irresponsáveis aquando do seu uso. Apesar de ser algo aparentemente garantido, “não é por isso que devemos gastar água indiscriminadamente e inconscientemente”, atenta Gabriela Ribeiro. Mesmo neste tempo de pandemia, em que constantemente se aconselha uma  correta e frequente higienização das mãos, tanto em ambiente social como profissional, através da lavagem com água e sabão, não deve isto  significar descuido na preservação deste bem que para alguns é garantido. Esta medida é tida como uma das medidas basilares para a mitigação da pandemia de COVID-19, mas se realizada de forma mais responsável pode levar a uma maior sustentabilidade na utilização generalizada. 

Estes comportamentos irrefletidos, de que muitos nem se apercebem, podem perfeitamente ser corrigidos, conseguindo retirar estes resíduos da rede de saneamento e evitar  que cheguem às estações de tratamento de águas residuais. Os cuidados que a sociedade é capaz de adquirir e implementar, tendo em consideração estes aspectos, pode acabar por se tornar muito importante e, com a manutenção da qualidade da água de forma contínua e sustentável, conseguirá-se-á alcançar uma boa higiene. Água, Saneamento e Higiene (WaSH) são, hoje em dia, muito importantes na sociedade e, com todas estas três áreas bem connectadas podemos alcançar uma qualidade de vida mínima e decente, e provavelmente, tornar esta qualidade de vida universal .

Diogo Martins