Água da ETAR – Anjo ou Demónio?

A ETAR de Coruche, como tantas outras, assume uma grande importância na manutenção dos recursos hídricos dentro de parâmetros compatíveis com o desenvolvimento das sociedades e preservação do ambiente. Serão os seus efluentes totalmente inócuos? Poderão também eles agravar a poluição causada pelos fertilizantes agrícolas?

No Planeta Terra há uma distribuição irregular dos recursos hídricos pelo que a sua sobre-exploração conduz à necessidade de uma gestão eficiente desses recursos. A poluição é uma realidade e um problema que põe em causa a gestão deste recurso como recurso renovável. O Homem, como único animal que necessita de água pura para a sua sobrevivência, deve definir como prioridade a proteção e gestão sustentável deste recurso.

Entre as várias fontes de poluição da água (uso doméstico, atividade industrial, agrícola e mineira) a mais preocupante no concelho de Coruche é a causada pela poluição agrícola. O Homem, com o objetivo de obter as melhores produções, fornece, com frequência, azoto às suas culturas (tanto na forma nítrica como na forma amoniacal), e combate pragas com pesticidas.

Os fertilizantes, apesar de aumentarem a produtividade agrícola, poluem aquíferos, águas superficiais e solos, sendo que alguns poderão conter um elevado teor de cádmio, prejudicial para a saúde pública e animal.

Segundo a FAO (2000), o consumo mundial de fertilizantes em 1998 foi de 137 milhões de toneladas, dos quais perto de 82 milhões foram de fertilizantes azotados. Em 2007 a mesma organização refere que o aumento de fertilizantes à base de azoto, fósforo e potássio teria um crescimento anual de 3% até 2012.

No concelho Vale do Sorraia, onde 22,5% da população se encontra a laborar na agricultura (sensos de 2001), o problema reveste-se de extrema importância. O rio Sorraia, outrora navegável foi fonte de rendimento para muitos pescadores, grande parte deles provenientes das famílias de avieiros, que perante as adversidades do mar deixaram a região de Vieira de Leiria e instalaram-se maioritariamente nas margens do Tejo e alguns no rio Sorraia. Atualmente este rio debate-se com a poluição causada pela agricultura.

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Segundo Joaquim Oliveira, engenheiro agrícola, o principal pesticida utilizado tem como principio ativo a deltametrina. Para além dos pesticidas, também os agricultores do concelho de Coruche utilizam fertilizantes com o objetivo de melhorar a produtividade agrícola.

No rio Sorraia era frequente os pescadores pescarem lampreia, sável e enguias. Atualmente estas espécies foram substituídas por espécies introduzidas como é o caso da perca e das abletes.

As águas residuais urbanas e industriais do concelho de Coruche são tratadas nas várias ETAR’s, sendo que a primeira a ser construída foi a ETAR de Coruche, seguida das restantes existentes no concelho. Esta entrou em funcionamento em 2008, passando a tratar os esgotos de cerca de 10 mil habitantes que até então eram directamente lançados para o Rio Sorraia. Esta ETAR trabalha cerca de 14h por dia, sendo por cada dia tratados 1400 m3 de águas residuais.

De acordo com uma investigação feita pelo Engenheiro Gonçalo Sousa (Figura 1), o efluente tratado (lançado

ao rio) da ETAR é significativamente mais rico em azoto que a água da rede.

Perante esta análise surge uma preocupação: Sendo Coruche uma região agrícola possivelmente as águas do rio terão concentrações elevadas de azoto, logo não estará o efluente tratado da ETAR a contribuir para um aumento dos produtos azotados nas águas do rio, aumentando as probabilidades de eutrofização a jusante da ETAR?

Com base neste problema foi realizada uma investigação na qual se semeou relva em quatro conjuntos de vasos contendo igual quantidade de substrato. Durante um mês, cada conjunto foi regado com igual quantidade de água destilada (situação de controlo), água da rede, água do rio recolhida a montante da ETAR e um último conjunto foi regado com o efluente tratado (Figura 2).

investigacao

comparacao-crescimento

Neste trabalho experimental foi possível observar um crescimento da relva em todos os ensaios. No entanto, a relva regada com água do rio e com água do efluente tratado da ETAR apresentaram um crescimento mais acentuado e com valores próximos, sendo que a última apresentou maior crescimento (Figura 3).

Deste modo, o efluente tratado poderá vir a ter uma influência negativa na água do rio, aumentando o seu teor em nitratos, constituindo-se como um fator responsável por uma futura eutrofização das águas, a jusante da ETAR.

No entanto, este efluente pode ser reutilizado contribuindo de forma positiva para a sustentabilidade dos recursos hídricos. A reutilização de águas residuais tratadas já é uma realidade em alguns países. No site da internet da USEPA (www.epa.gov) são referidos alguns exemplos, entre os quais o campo de golfe Koelena na ilha Lanai do Havai, onde desde 1994 toda a água necessária para regar o campo é água reutilizada.

Embora em Portugal a reutilização destas águas ainda não seja frequente, a Agência Portuguesa do Ambiente tem definido os parâmetros necessários para a reutilização de águas residuais de modo a proteger a saúde pública, as culturas, os solos e a qualidade das águas (superficiais e subterrâneas).

A utilização destas águas para a rega dos jardins pode constituir uma mais-valia, pois com o seu efeito fertilizante diminui o consumo destes produtos e reduz a quantidade de produtos azotados lançados no rio, o que se traduz em jardins mais bonitos, mais económicos e num rio menos poluído.

Coruche também poderá dar este passo no caminho da proteção dos recursos hídricos, no caminho da sustentabilidade, no caminho para um futuro melhor. Coruche pode dar este enorme abraço ao seu rio e ao Planeta Terra.

 

Catarina Pino

Maria Coutinho

Maria do Carmo Rato

Catarina Pino, Maria Coutinho, Maria do Carmo Rato