A água na génese da atividade geobiológica do maciço calcário estremenho

Reservas de água onde os helicópteros abastecem quando há incêndios

Reservas de água onde os helicópteros abastecem quando há incêndios

Possuindo como objeto essencial a amostra significativa de um maciço calcário, único pelo seu aspeto, e até pela humanização da sua paisagem, cujos valores naturais aí existentes se impunha salvaguardar foi criado pelo Decreto-Lei n.º 188/79, de 4 de maio de 1979, o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Este parque insere-se no Maciço Calcário Estremenho, elevando-se no litoral português acima dos 400 metros, sendo constituído fundamentalmente por afloramentos do Jurássico Médio, facto que as pegadas de dinossauro lá existentes podem confirmar. Ocupa uma área de 34 000 hectares e integra parte dos concelhos de Alcanena, Alcobaça, Ourém, Porto de Mós, Rio Maior, Santarém e Torres Novas. De paisagem vigorosa e agreste, o PNSAC possui algumas das mais interessantes formações geológicas do país, principalmente potenciadas pela intensa atividade cársica que é característica da zona.
A água é o motor desta serra, tanto porque sustenta a sua componente biológica, como a sua dinâmica geológica. Em relação à segunda pode dizer-se que é o processo de carstificação promovido pelas águas acidificadas que faz com que haja uma intensa modelação da paisagem. Neste processo, o facto de o dióxido de carbono se dissolver na água e originar hidrogenocarbonato de cálcio, faz com que o carbonato de cálcio (comumente conhecido por calcário) se dissolva mais facilmente em água e se aparte das rochas em que se encontrava. Deste modo, são o tempo e a água, lado a lado, os responsáveis pela modelação do grande maciço calcário desta serra, originando surpreendentes fenómenos geológicos: centenas de grutas (estima-se que mais do que 1500, algumas exploradas turisticamente como as de Santo António, Alvados ou Mira d´Aire, onde se abrigam-se uma infinidade de seres vivos, de que se destacam cerca de dez espécies de morcegos cavernícolas); algares (poços verticais dando acesso ao subsolo); campos de lapiaz (blocos de rocha fissurada onde a água se infiltrou), dolinas (depressões fechadas no fundo das quais se formam pequenas lagoas) e uvalas (duas ou mais dolinas juntas). A água que circula nas galerias subterrâneas da Serra poderá acabar por depositar o calcário, que precipita, originando estalactites, estalagmites e colunas que conferem grande beleza às grutas da Serra.
Esta permeabilidade das formações calcárias a que se associa a fácil dissolução da rocha, permitindo fissuras por onde se infiltra a água das chuvas, justifica que não existam cursos de água permanentes à superfície (a lagoa do Arrimal é exemplo de um verdadeiro oásis na paisagem) mas, em contrapartida, a região é riquíssima em correntes subterrâneas, que são levadas até locais cavados pelas águas no fundo de grutas enormes, e que ressurgem à superfície, em fontes. Das várias nascentes cársicas existentes na região, a mais conhecida e importante no que toca a caudais emitidos é a dos Olhos de Água do Alviela, que fornecia água a Lisboa desde 1880 até há bem pouco tempo. Este rio situa-se em pleno Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, nasce na Gruta do Alviela, percorre 51.16 km de comprimento e acaba por desaguar no Tejo perto de Vale de Figueira, Santarém. Este rio é alimentado durante todo o ano por uma nascente permanente, mas em períodos de maior precipitação a água é também expelida através de nascentes temporárias, nomeadamente por uma saída temporária situada junto à nascente principal (Olhos de Água). Nas contas feitas por Carlos Costa Almeida, o caudal total debitado pelas três principais nascentes cifra-se em cerca de 350 milhões de metros cúbicos por ano.
O povoamento destas zonas montanhosas é muito antigo, havendo indícios de ocupação humana desde o Paleolítico. Sabe-se que a região foi muito ocupada durante o domínio dos Romanos. E embora a SAC seja o segundo maior reservatório de água doce subterrânea do nosso País (com extensão entre Rio Maior e Leiria), sabe-se hoje que não é fácil à população da Serra viver com a corrente situação de inexistência de água superficial. Devido à natureza calcária do solo, os poços não eram uma opção; essa dificuldade obrigou as populações a inventar outras formas de reter as águas pluviais. As formas naturais e construídas encontradas para este problema, ligadas à recolha, transporte e armazenamento de água são as pias, caleiras, pequenos aquedutos, cisternas e poços, estruturas muito comuns na Serra que auxiliam os habitantes em diversas direções: abastecimento regional, apagar incêndios, agricultura, consumo, etc. Mais especificamente, sabe-se que as cisternas eram construídas nas reentrâncias das rochas ou em pequenos algares, dada a sua impermeabilidade e conseguiam reter alguma da água pluvial; nas habitações, a chuva era recolhida dos telhados e transportada para as cisternas através de caleiras, formando também acumulações hídricas.
O papel da água é, assim, determinante na evolução de todo o povoamento, pelo que, nos escassos locais onde existe, está sempre associado um valor patrimonial e cultural a preservar, sendo deste facto exemplos muitos fontanários e algumas lagoas. Fora destes locais, o homem socorre-se de um conjunto diversificado de processos e formas para a obter, quer ao nível do solo, quer ao nível atmosférico.
De um outro ponto de vista, é necessário reparar que é a água e a sua presença que permitem que grandes quantidades de calcário formem depressões onde se originam campos de terra roça que posteriormente dá lugar à toda diversidade fauna que existe na Serra de Aire e Candeeiros. Paralelamente, é a dinâmica hídrica que sustenta a vida da gigante biodiversidade existente. Foram estes acontecimentos que, ao longo de milhões de anos, deram lugar às bonitas paisagens verdes da Serra.
Em suma, a água, como já houvera sido dito, é a pedra basilar da dinâmica geobiológica da Serra, sendo ela a responsável por sustentar tanto a vida que lá existe, como os lugares mais insólitos – as grutas -, os caudais subterrâneos que depois alimentam muitos rios e que, em última análise, abastecem e servem de sustento a muita da atividade nacional que se localiza nas imediações da Estremadura. A atividade hídrica do maciço é, em última análise, essencial para a região.

Pedro Constantino, Nuno Ribeiro, Jéssica Martins