(Será que) os solos em Lisboa estão contaminados (?)

O Campo das Cebolas é um dos locais mais emblemáticos da capital portuguesa. Desde os edifícios pitorescos à deslumbrante vista sobre o Tejo, constitui definitivamente um local de referência para muitos turistas. Em novembro de 2015, a Câmara Municipal de Lisboa iniciou um projeto de requalificação do Campo das Cebolas (Fig.1), integrado na remodelação da Frente Ribeirinha, cuja conclusão está prevista para abril de 2017, com o objetivo de criar uma praça voltada para a cidade. Entre outras alterações, incluindo a demolição do muro limite da Doca da Marinha, encontra-se em construção um parque de estacionamento com 206 lugares promovido pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa. [1]

O Campo das Cebolas é um dos locais mais emblemáticos da capital portuguesa. Desde os edifícios pitorescos à deslumbrante vista sobre o Tejo, constitui definitivamente um local de referência para muitos turistas.

Em novembro de 2015, a Câmara Municipal de Lisboa iniciou um projeto de requalificação do Campo das Cebolas (Fig.1), integrado na remodelação da Frente Ribeirinha, cuja conclusão está prevista para abril de 2017, com o objetivo de criar uma praça voltada para a cidade. Entre outras alterações, incluindo a demolição do muro limite da Doca da Marinha, encontra-se em construção um parque de estacionamento com 206 lugares promovido pela Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa.[1]

Imagem1

1. Proposta para remodelação do Campo das Cebolas (fonte: Diário Imobiliário).

  Um ano após o início das obras, o Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar Os Verdes [2] questionou o Ministério do Ambiente relativamente à possível contaminação dos solos do Campo das Cebolas, devido ao funcionamento de uma bomba gasolina naquele mesmo local durante vários anos. Esta pergunta é fundamentada pelo facto de, supostamente, existirem cerca de 12000m3 de solos contaminados e de apenas 25 toneladas terem sido transportadas para o Centro Integrado de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos (CIRVER, situado no município da Chamusca).

De acordo com um artigo publicado pela revista Visão [3], estas suspeitas já haviam conduzido, em março de 2016, a uma ação de inspeção extraordinária por parte da Inspeção-Geral da Agricultura e Ambiente (IGAMAOT), tendo a própria entidade confirmado ao semanário que “no local foi confirmada a existência de um depósito antigo, sendo que o referido depósito se encontrava vazio, não tendo sido identificado qualquer sinal de derrame proveniente deste”, garantindo que dessa inspeção “não resultaram evidências de que as areias estariam contaminadas com hidrocarbonetos”. É sabido ainda que as referidas 25 toneladas de resíduos perigosos só foram enviados para a ECODEAL – Gestão Integral de Resíduos Industriais – após a inspeção referida.

Perante a possibilidade de contaminação dos solos do Campo das Cebolas, em entrevista para este artigo, Anabela Cruces, doutorada em Geologia Económica e do Ambiente, revelou que até há pouco tempo, o conceito de consciência ambiental era praticamente inexistente e, como tal, a cidade de Lisboa, incluindo a zona ribeirinha, foi crescendo, sem qualquer tipo de avaliação prévia dos locais contaminados. A cidade foi-se renovando, mesmo em zonas onde antes existiu uma ocupação industrial (desde o século XIX), pelo que a probabilidade de existirem solos contaminados aí é muito elevada.

Por outro lado, como evidenciou esta mesma fonte, até ao momento, não existe legislação nacional que obrigue os vendedores ou compradores de um determinado terreno a fazerem uma avaliação de contaminação de solos. Apenas existe uma Portaria que permite avaliar o grau de contaminação, mas que se aplica apenas aos sedimentos – solos transportados que se encontram em meio aquático. (Portaria nº 1450/2007). Anabela Cruces sublinha que “se não existe nenhuma lei que obrigue o dono do terreno a falar do “passado” do mesmo, ou o comprador conhece a região ou ‘tem a sorte’ de comprar um terreno não contaminado. Até que ponto se pode responsabilizar o comprador, por exemplo, estrangeiro, pela contaminação do terreno?

Atualmente, a Agência Portuguesa do Ambiente aconselha seguir a legislação canadiana de Ontário. No entanto, em 2015, foi apresentado o Projeto Legislativo relativo à Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos (ProSolos) (Fig.2), e que, embora já tenha sido discutido por várias vezes, ainda não foi aprovado pela Assembleia da República. Este projeto-lei compreende a avaliação da qualidade do solo, a responsabilização pela contaminação e a remediação dos solos contaminados [4], sugerindo ainda o registo da história dos solos ao longo do tempo, o que, como sublinha a entrevistada, se revela bastante eficiente, dado que se não se sabe o que aconteceu a um solo num certo período, não é possível garantir, mais uma vez, a atividade histórica que, eventualmente, terá sido a causadora do problema de contaminação do mesmo.

 

Imagem2

2. Projeto-Lei ProSolos (fonte: eurofins).

  Existem variados tipos de contaminantes que podem estar presentes num solo, entre os quais se destacam os orgânicos, inorgânicos, radionuclídeos e microbiológicos, que, para além de prejudicarem o solo em si, podem ser libertados para a atmosfera por serem voláteis ou contaminar as águas subterrâneas após serem lixiviados do solo. A especialista entrevistada declara que para avaliar o risco de contaminação devem ser tidos em conta três fatores: “o tipo de contaminante”, “o caminho que o contaminante percorre até ao alvo” e “a forma como o alvo será atingido”.

Anabela Cruces frisa que a melhor maneira de garantir a solução da possível contaminação de um solo se prende com a “ação preventiva”, isto é, “se há desconfianças que os solos estão contaminados, mesmo que a lei não me obrigue, daqui a uns anos podem surgir complicações derivadas desses contaminantes, então devo fazer análises ao solo”. Acrescenta ainda que, no que concerne à contaminação dos solos na zona urbana de Lisboa, a principal preocupação da Câmara Municipal de Lisboa deveria ser a de garantir a qualidade de vida dos lisboetas.

Todavia, a vertente financeira permanece o maior entrave ao tratamento dos solos, na medida em que, como refere a fonte em causa, os estudos de Avaliação da Contaminação dos Solos, que implicam trabalho de campo e análises específicas em laboratórios especializados, têm de ser feitos por especialistas e são dispendiosos. A partir do momento em que é sabido que um terreno está contaminado, este fica desvalorizado. Estando disponível no mercado imobiliário para transação comercial, ou o antigo dono se responsabiliza e procede à descontaminação do local, arcando com os custos da limpeza e depois poderá vender o terreno pelo preço inicialmente estipulado, ou o novo dono, sabendo da sua contaminação histórica compra o terreno exigindo um preço mais baixo e assume para si os custos da remediação ambiental do local. De uma ou de outra forma, o antigo dono do terreno acaba sempre por perder dinheiro.

Deste modo, é perceptível que muitos não queiram que os seus terrenos sejam associados a “locais com contaminação histórica”, pois o terreno sofre uma desvalorização de preço. Esta última opção é indesejada numa cidade na qual o custo do m2 se tem vindo a tornar cada vez mais elevado.

Se no passado existiram atividades industriais ou comerciais no Campo das Cebolas, então a probabilidade dos solos desse local estarem contaminados é alta. Não obstante, de quem é efetivamente a culpa? Para evitar outras futuras situações semelhantes, a única solução prende-se com a prevenção e sensibilização das autarquias, governo e particulares, porque prevenir, é de facto, melhor do que remediar.

 

Referências Bibliográficas

Câmara Municipal de Lisboa, Projetos Frente Ribeirinha, (s.d.), acedido em http://www.cm-lisboa.pt/viver/urbanismo/espaco-publico/projetos-frente-ribeirinha em 22/12/2016

Partido Ecologista Os Verdes, Comunicados 2016, 26-11-2016, acedido em 22/12/2016, em http://www.osverdes.pt/pages/posts/lisboa-96-campo-das-cebolas—os-verdes-questionam-o-governo-sobre-solos-contaminados-8062.php

Galrão M., Obras no Campo das Cebolas levantam dúvidas quanto a possível contaminação dos solos, 30-11-2016, in Revista Visão, acedido em http://visao.sapo.pt/actualidade/portugal/2016-11-30-Obras-no-Campo-das-Cebolas-levantam-duvidas-quanto-a-possivel-contaminacao-dos-solos em 22/12/2016

Eurofins, Solos (s.d.), acedido em http://www.eurofins.pt/ambiente/eurofins-lab-environment-testing-portugal/servicos-analiticos/matrizes/solos/ em 27/01/2017

 

Agradece-se à Professora Doutora Anabela Cruces pela sua disponibilidade em responder às questões que lhe foram colocadas para a realização deste artigo.

 

Maria Carreira, 11º1A