O Lixo Marinho e o toque mágico da APLM

Encontrar lixo marinho não se resume ao simples facto de ver uma garrafa de plástico ou uma embalagem de um snack no areal de uma praia. Este conceito envolve todo o tipo de resíduos que, de um modo direto ou indireto, chegaram ao mar e oceanos depositando-se ou mantendo-se em suspensão, poluindo as águas superficiais e subterrâneas, podendo ser posteriormente transportados até areais ou terrenos, tendo assim um efeito extremamente nocivo para o meio ambiente.

Face a esta realidade ameaçadora que enfrentamos não só relativamente à qualidade da água, preservação de habitats mas também à conservação de espécies, surgiu a APLM. A Associação Portuguesa do Lixo Marinho, nasceu em meio académico no seguimento de um trabalho realizado por uma equipa de investigadores do IMAR na Universidade Nova de Lisboa em 2008. Esta associação, orientada pela Dra. Paula Sobral tem como principal missão a defesa, conservação e preservação do ambiente face aos impactes do lixo nos ecossistemas marinhos, costeiros, estuarinos e os associados a águas interiores; a sensibilização, consciencialização e co-responsabilização da sociedade para valores de consumo sustentável e cidadania, solidariedade e preservação ambiental.

Todos os anos são recolhidas aproximadamente 300 milhões de toneladas de lixo marinho em todo o planeta, da sua totalidade 70% acumula-se no fundo dos oceanos, maioritariamente Pacífico e Atlântico, e apenas 30% se encontra à superfície. O tipo e quantidade de lixo que se encontra nos areais de todo o mundo difere de acordo com a estação do ano, correntes e marés, regularidade de limpeza dos areais e de país para país, podendo depender bastante das características dos povos, por exemplo, em Portugal encontram-se muitíssimas molas, devido ao facto de ainda se colocar a roupa a secar num estendal enquanto que noutros países este hábito já não perdura, tendo sido substituído pelas máquinas de secar.

Das atividades realizadas pela APLM destacam-se a limpeza de praias e posterior análise de certos materiais recolhidos. Assim foi possível concluir que os resíduos mais frequentes nos areais em território nacional são plásticos, beatas, esferovite, cotonetes e pastilhas de resina virgem. De acordo com uma monitorização recente, a partir de uma tonelada de lixo recolhido num raio de 100 metros, concluiu-se que cerca de 70% seriam plásticos, 20% vidro e apenas 10% papel.

O plástico e seus polímeros e derivados, por exemplo, os acrílicos e os microplásticos, sendo materiais bastante resistentes demoram um longo período de tempo a degradarem-se na natureza, a sua decomposição em meio natural demora entre 400 a 600 anos, ao longo deste processo de deterioração, os plásticos vão-se fragmentando originando partículas muito pequenas que ao serem transportadas por diversos agentes, sobretudo pelo vento e água, podem passar a constituir uma ameaça extrema para determinadas espécies, como por exemplo as tartarugas que ao avistarem estes fragmentos plásticos em suspensão nos oceanos os confundem com alimento e ao ingeri-los ficam doentes e/ou morrem.

O poliestireno, em Portugal conhecido como esferovite, muito utilizado na construção e actividade piscatória, quando fragmentado culmina num conjunto imenso de milhares de bolinhas de tamanho reduzido e que por serem extraordinariamente leves são transportadas com enorme facilidade para inúmeros locais através da acção do vento, contaminando assim uma vasta área territorial num intervalo de tempo reduzido.

As beatas, apesar de não terem um período de degradação tão perlongado estão muitíssimo contaminadas com produtos tóxicos e poluentes presentes nos cigarros. Deste modo irá ser desencadeado um processo de contaminação das areias que por acção dos agentes de transporte serão levados para outros territórios alargando assim a área infectada.

Apesar de existirem máquinas de limpeza de praias, estas só filtram objectos a partir dos 2,50 cm, o que significa que materiais como as fibras, presentes nas nossas peças de vestuário, subsistem no ambiente durante anos, as fibras mais pesadas depositam-se e afundam, enquanto as mais leves pairam no ar e podem inclusivamente ser inaladas.

Através de múltiplas reacções químicas que acontecem em meio aquático, substâncias dissolvidas, por exemplo, nas tintas que cobrem os barcos de pesca, são facilmente cedidas às águas dos mares que mais tarde acabarão por se infiltrar no solo podendo chegar aos aquíferos livres e cativos, contaminando assim as águas que serão utilizadas para consumo humano. Acrescendo a este ponto as propriedades das águas residuais também contaminadas teríamos portanto, um ciclo da água nocivo e inquinado. As ETARs, estações de tratamento de águas residuais, apesar de tratarem e desinfetarem este bem tão precioso, não conseguem eliminar todo o tipo de substâncias prejudiciais ao ser humano, uma vez que parte destas substâncias inconvenientes têm tamanhos à volta dos 200-300 micrómetros, como por exemplo as esferas presentes nos cremes esfoliantes e pastas de dentes, o que significa que estas partículas não são retidas nem destruídas, assim existirá sempre uma percentagem, embora reduzida, de resíduos indesejáveis nas nossas águas de consumo diário.

Apesar da maior parte do lixo marinho não ser proveniente da actividade piscatória, este sector tem um papel bastante importante na preservação e manutenção dos oceanos. Para fomentar e manter viva esta preocupação, a APLM criou um projecto em parceria com a Doca Pesca, que consiste na tentativa de sensibilização de pescadores para as consequências acrescidas da existência de lixo marinho, e para tal, os pescadores trariam lixo e resíduos que encontrem em alto mar de modo a manterem limpo o seu local de trabalho. Esta iniciativa, na Nazaré, já contou com a colaboração de mais de sessenta barcos, que apesar de ainda se sentirem muito presos às tradições pouco sustentáveis demonstram cada vez mais preocupação e cuidado com o meio ambiente.

Contudo, apesar das imensas actividades dinamizadas por esta associação existem ainda outros aspectos que poderão ser melhorados de forma a reduzir o impacte ambiental que o lixo marinho tem atualmente nos ecossistemas. Mormente, a substituição do plástico das garrafas por vidro, diminuiria a quantidade de garrafas abandonadas nas praias uma vez que o vidro causa uma maior preocupação a nível psicológico e ético do que o plástico, levando assim a uma mudança comportamental da sociedade. Também a sensibilização do público mais jovem seria uma ótima aposta, uma vez que a partir do início da fase da adolescência os jovens se desligam um pouco das questões ambientais envolventes e acabam por contribuir para o seu agravamento.