Mercúrio, uma ameaça invisível. Estudo revela que estamos expostos a contaminação por mercúrio

Amostras de cabelo de jovens de Lisboa, com idades entre 12 e 18 anos, revelam contaminação por mercúrio. 46% dos participantes num estudo, realizado entre novembro de 2016 e maio de 2017, apresentaram níveis superiores aos considerados seguros pela United States Environmental Protection Agency (US EPA), que é a referência mundial sobre este assunto. O mercúrio é um composto tóxico e perigoso, principalmente para crianças em desenvolvimento. Os resultados apelam para uma mudança de certos hábitos diários.

Amostras de cabelo de jovens de Lisboa, com idades entre 12 e 18 anos, revelam contaminação por mercúrio. 46% dos participantes num estudo, realizado entre novembro de 2016 e maio de 2017, apresentaram níveis superiores aos considerados seguros pela United States Environmental Protection Agency (US EPA), que é a referência mundial sobre este assunto. O mercúrio é um composto tóxico e perigoso, principalmente para crianças em desenvolvimento. Os resultados apelam para uma mudança de certos hábitos diários.

 

O ser humano encontra-se exposto ao mercúrio tanto num ambiente doméstico como de trabalho. Esta exposição ocorre principalmente através da ingestão de alimentos contaminados (em particular peixes predadores) e através da exposição a vários produtos de consumo que contêm mercúrio como por exemplo cosméticos, tintas para o cabelo, detergentes e medicamentos, ou ainda através de exposição involuntária a certos produtos, como por exemplo pilhas, equipamentos elétricos e eletrónicos, lâmpadas fluorescentes e equipamentos médicos (ex. termómetros).

Fontes de exposição a mercúrio para o ser humano. Adaptado de UNEP (2013)

O elemento mercúrio é um metal pesado, líquido à temperatura e pressão ambiente, de cor branco‐prateada, que apresenta baixa solubilidade em água e lípidos.

Este elemento ocorre naturalmente no ambiente e pode resultar da erosão de rochas e atividade vulcânica, ou de processos biológicos. Porém, a maioria do mercúrio presente no ambiente é proveniente de processos relacionados com a atividade humana.

No ambiente encontram-se várias formas de mercúrio, desde substância pura até presente em moléculas complexas. Quando se liga ao carbono forma compostos orgânicos chamados organomercuriais que são encontrados nos solos, na água e nos organismos aquáticos. O metilmercúrio é considerado a espécie mais tóxica dos compostos organomercuriais, sendo facilmente incorporado pelos seres vivos. A transformação da forma inorgânica na forma metilada ocorre em sedimentos, águas e solos (US EPA, 1997).

A ameaça é invisível, os perigos são reais. Por exemplo, em idades precoces o sistema neurológico ainda não se desenvolveu totalmente, podendo o metilmercúrio ultrapassar a barreira hematoencefálica. Está documentada a relação entre o metilmercúrio e a diminuição do poder cognitivo em crianças em desenvolvimento (Oken et al., 2005). Pode ainda causar diferentes doenças em diversos órgãos e sistemas do corpo, tais como o sistema nervoso, os rins, pulmões e coração.

O metilmercúrio está geralmente associado a danos neurológicos, podendo originar distúrbios sensoriais, estreitamento do campo de visão, dificuldades na fala, dificuldades em manter o equilíbrio, entre outros efeitos (Souza & Barbosa, 2000).

Os perigos da contaminação pelo mercúrio e a exposição que todos estamos sujeitos serviu de motivação para um estudo que procurou avaliar os níveis de mercúrio presentes numa população de jovens, através da análise da sua concentração no cabelo, uma vez que este é uma matriz validada para monitorizar as concentrações deste elemento no organismo do ser humano. O processo de recolha de amostras biológicas (cabelo) foi autorizado pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (autorização n.º 12441/2016). Todos os dados recolhidos foram codificados e tratados de forma confidencial.

A amostra, que envolveu alunos do Colégio Valsassina, foi constituída por 75 indivíduos (29 do sexo masculino; 46 do sexo feminino), entre os 12 e os 18 anos, com uma idade média de 14,76 anos.

O protocolo experimental seguiu as recomendações expressas pelo projeto COPHES: um projeto europeu que visa a harmonização da recolha e tratamento de amostras para estudos de biomonitorização humana.

 

Recolha de amostras de cabelo.

As 82 amostras analisadas revelaram um teor médio em mercúrio de 1150,1 ng g-1. As concentrações variaram entre 12,6 e os 3314,74 ng g-1. Estes dados devem motivar uma atenta reflexão, pois 46% dos indivíduos da amostra revelaram teores de mercúrio superiores a 1000 ng g-1, valor a partir do qual há riscos para a saúde humana de acordo com a US EPA, que é a referência mundial sobre o assunto. Sobre estes resultados, a investigadora Ana Sousa, da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, afirma: ” Estes resultados têm que ser analisados com cuidado. Efeitos deletérios na saúde são possíveis sobretudo nas pessoas com níveis superiores aos regulamentados, e esses efeitos deletérios incluem alterações neurológicas e comportamentais, problemas renais e gastrointestinais, por exemplo.”.

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) não há níveis de mercúrio considerados seguros. Mesmo assim, em relação à concentração de mercúrio no cabelo, a OMS estabeleceu o limite máximo em 2000 ng g-1 (UNEP & OMS, 2008). 11,42% dos jovens estudados apresentam valores superiores a este.

Estudos recentes realizados na Europa definem um limite mais exigente, sugerindo o valor de 580 ng g-1 (Kirk, 2016) para o máximo de contaminação, o que inclui 83% dos indivíduos da amostra.

Os resultados do presente estudo encontram semelhanças com os valores detetados noutras investigações, por exemplo em jovens nos Açores e adultos em Castelo Branco e Aveiro (Reis, 2008; Barros, 2016), o que sugere uma uniformização da exposição ao mercúrio a nível nacional.

Os participantes foram também sujeitos a um questionário que continha perguntas como o peso, a altura, o consumo de peixe etc. Os dados recolhidos sugerem uma relação entre o aumento de Índice de Massa Corporal e a diminuição da contaminação por mercúrio. Ana Sousa destaca a identificação desta relação, algo que pode ser considerado pioneiro.

Perante os dados obtidos nesta investigação e o seu caráter inovador, uma vez que não há outros estudos semelhantes para esta faixa etária em Portugal Continental (12 a 18 anos), foram propostas algumas ações. É recomendável a promoção de campanhas de educação e sensibilização para a adoção de comportamentos alimentares corretos, relacionados com a escolha das espécies a consumir (pois há espécies com níveis de mercúrio superiores a outras) e maior monitorização dos níveis de mercúrio na população.

Para o investigador do Instituto Português do Mar e da Atmosfera António Marques, “Os consumidores a nível europeu estão expostos a níveis de metilmercúrio (no peixe) considerados de risco”. Educar o consumidor é sem dúvida fundamental, como destaca a investigadora Ana Sousa, pois os peixes são uma fonte de muitos nutrientes importantes.

As conclusões deste estudo não devem levar as pessoas a deixar de consumir peixe, mas antes a ter em atenção as escolhas que se devem fazer. Por exemplo, preferir peixes como a cavala, em vez de um consumo frequente de atum e de salmão.

É, por isso, importante conhecer a ferramenta FISHCHOICE[1] (desenvolvida pelo projecto ECsafeSEAFOOD financiado pela União Europeia), disponível na internet, que auxilia os consumidores e profissionais a avaliarem os riscos e benefícios associados ao consumo de pescado.

A ameaça pode ser invisível mas o poder de escolha está nas mãos de todos.

 

Referências bibliográficas:

Barros, R. (2016).  Utilização de cães e gatos como sentinelas para a exposição a mercúrio. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Biotecnologia. Universidade da Beira Interior.

Kirk LE, Jørgensen JS, Nielsen, F.; Grandjean, P.;(2016); Public health benefits of hair-mercury analysis and dietary advice in lowering methylmercury exposure in pregnant women. Scandinavian Journal of Public Health

Oken,E. R. O. Wright, K. P. Kleinman, D. Bellinger, C. J. Amarasiriwardena, H. Hu, J. W. Rich-Edwards and M. W. Gillman (2005). Environmental Health Perspectives; Vol. 113, No. 10 (Oct., 2005), pp. 1376-1380

Reis, A.T. (2008). Impacto do mercúrio na saúde humana: Aveiro como caso de estudo. Universidade de Aveiro. Departamento de Química. Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Química Analítica e Controlo de Qualidade.

Souza J.R., Barbosa A.C. (2000); Contaminação por mercúrio e o caso da amazônia.

United Nations Environment Programme – UNEP (2013); Mercury – Time to Act

UNEP DTIE Chemicals Branch & WHO Department of Food Safety, Z. and F.D. (2008). Guidance for Identifying Populations At Risk From Mercury Exposure. Exposure, p.176.

US EPA (1997) Mercury Study Report to Congress Volume IV. An Assessment of Exposure to Mercury in the United States. EPA-452/R-97-006. Office of Air Quality Planning and Standards and Office of Research and Development, Washington, DC

 

 Agradecimentos

Um agradecimento especial à Doutora Ana Sousa, da Universidade da Beira Interior, que se mostrou sempre disponível para partilhar os seus conhecimentos e experiência nesta área. Para além disto, foi através da sua disponibilidade que tivemos a oportunidade de visitar a Universidade da Beira Interior, de modo a analisarmos as amostras, algo que não teria sido possível de outra forma. Estamos muito gratos por toda a sua atenção.

Agradecemos também ao investigador Rafael Barros por nos ter auxiliado no processo da análise das amostras na Universidade e por ter partilhado o seu conhecimento sobre a área.

Agradecemos ainda ao Professor Doutor Ramiro Pastorinho por se mostrar disponível para nos apoiar, assim como à Universidade da Beira Interior, que tão bem nos recebeu nos seus laboratórios, para proceder às análises das amostras.

 

[1] http://www.fishchoice.eu/calculator/.

 

 

 

Afonso Mota, Bernardo Alves, João Leal